Correio Braziliense, n. 22563, 27/12/2024. Negócios, p. 8
Com leilão, dólar fecha a R$ 6,17
Fernanda Strickland
Após nova intervenção cambial do Banco Central (BC), o dólar comercial apresentou tímida baixa na volta do feriado de Natal. A moeda norte-americana encerrou o dia cotada a R$ 6,1794 na venda, com uma modesta desvalorização de 0,09%. A leve queda reflete o cenário de incertezas sobre a economia brasileira, impulsionado pela desconfiança do mercado quanto à sustentabilidade da dívida pública e às políticas fiscais do governo federal.
Ontem, o BC vendeu US$ 3 bilhões no mercado à vista, somando um total de US$ 30,77 bilhões em leilões desde que iniciou as operações há duas semanas. A intervenção visa conter a volatilidade cambial e atender à demanda por dólares de empresas e fundos para remessas ao exterior, algo típico no fim do ano.
Quando o dólar sobe, tem repercussão direta na economia, pressionando a inflação e aumentando o custo de insumos e produtos importados. Além disso, o cenário de incertezas afasta investidores e dificulta o planejamento de empresas com negócios internacionais.
Enquanto isso, o governo enfrenta o desafio de restaurar a confiança do mercado e estabilizar a economia em um cenário global marcado por instabilidades geopolíticas e mudanças na política monetária de países desenvolvidos. A expectativa é de que medidas concretas de ajuste fiscal e maior diálogo com o mercado possam contribuir para reduzir as incertezas e estabilizar o câmbio.
O economista Newton Marques, professor da Universidade de Brasília (UnB), aponta que a instabilidade recente da taxa de câmbio tem múltiplas causas. “Há suspeita de que o maior responsável foram as remessas de dividendos das empresas, em meio à preocupação com o pacote fiscal discutido no Congresso, que poderia tributar esses dividendos. Isso se agravou por movimentos no mercado externo relacionados à política monetária nos Estados Unidos e na Europa”, explicou.
Para Marques, o atraso da autarquia em intervir no mercado foi um dos fatores que ampliaram a oscilação cambial. “Somente quando o Banco Central começou a vender dólares com acordo de recompra é que a volatilidade começou a se normalizar”, acrescentou.
O economista Vinícius do Carmo, por sua vez, destacou o impacto da falta de transparência nas políticas fiscais do governo sobre o câmbio. “Ainda persiste muita contrariedade e desconfiança do mercado. A falta de clareza nos cortes orçamentários e nos objetivos fiscais empurra o dólar para cima. Hoje, o leilão de US$ 3 bilhões pelo BC funcionou em partes. O custo desse desentendimento entre governo e mercado tem sido as reservas cambiais liquidadas”, disse.
Impacto
Em 2024, o impacto econômico de conflitos geopolíticos foi um dos principais fatores que moldaram a dinâmica global. O ano foi marcado por intensa volatilidade nos preços das commodities, desafios logísticos e uma inflação persistente, o que exigiu ajustes na política monetária de diversos países. No Brasil especificamente, essa instabilidade levou o dólar a disparar e alcançar a marca de R$ 6,00 e empresas como a Petrobras a acumularem mais de 11,6% de valorização em razão da alta no preço dos barris.
Segundo Sidney Lima, analista CNPI da Ouro Preto Investimentos, “os confrontos no Oriente Médio, especialmente entre Israel e Palestina, assim como a guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia, afetaram profundamente os mercados financeiros, as cadeias de suprimento e a estabilidade econômica mundial, principalmente devido à dependência de combustível e energia por parte da Europa”. Neste contexto, ele cita que é essencial entender como esses conflitos interagiram com a economia global e como as consequências podem se estender a longo prazo.
Transparência
A Advocacia-Geral da União encaminhou ofício ao Google, ontem, pedindo para que a plataforma tome certos cuidados, listados no documento, para dar mais transparência nas informações passadas sobre a cotação do dólar. No documento, é reforçado como informações imprecisas sobre a moeda podem afetar o mercado financeiro e a percepção pública. No feriado, o tema “dólar a R$ 6,38” foi um dos mais discutidos no X (ex-Twitter). O Google chegou a mostrar a cotação errada da moeda no último dia 25, mas tirou a ferramenta do ar horas depois.