Valor Econômico, 28/04/2020, Brasil, p. A3
Sem auxílio da União, Rio pode ter crise em junho
Rodrigo Carro
Num cenário sem qualquer recomposição de receita ou outro auxílio financeiro da União, o governo fluminense teria dificuldade para honrar obrigações financeiras com fornecedores ainda em junho e poderia, em último caso, atrasar o pagamento do funcionalismo em julho. Em abril, a arrecadação tributária do Estado do Rio de Janeiro apresentou queda até agora de 20%, uma perda de R$ 710 milhões em relação ao mesmo mês de 2019, segundo dados da Fazenda estadual.
“A arrecadação [de abril] se refere a fatos geradores ocorridos em março. E metade do mês [de março] foi normal”, explica Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, titular da Fazenda fluminense, referindo-se ao início da quarentena, na segunda quinzena de março. Em maio, portanto, o efeito pleno da desaceleração econômica decorrente da pandemia seria sentido integralmente.
O fluxo de caixa passaria a ser negativo a partir do início de junho. “Se a arrecadação que entra em 10 de junho vier 30% menor, isto travaria o pagamento dos fornecedores”, sustenta Carvalho. A maior parte da arrecadação de ICMS entra nos cofres estaduais no dia 10 por causa do calendário tributário, que concentra o vencimento do imposto da maior parte das categorias de atividade econômica nesta data. O Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz) projeta uma queda de 20% a 30% na receita de ICMS para este mês. E de 30% a 40% para maio.
Carvalho faz questão de frisar que a “prioridade absoluta” é a quitação da folha de pagamento e que atrasos só aconteceriam em último caso. Na administração anterior à do governador Wilson Witzel (PSC), os atrasos de salários começaram em 2016 e se estenderam até o fim de 2018, o que contribuiu para corroer a popularidade do então governador Luiz Fernando Pezão.
O Estado do Rio tem em sua folha de pagamento 441,1 mil servidores, entre ativos (189,6 mil), aposentados (163 mil) e pensionistas (88,4 mil). O valor líquido da folha é de aproximadamente R$ 2,3 bilhões, sendo que cerca de R$ 1 bilhão é destinado aos funcionários na ativa, e R$ 1,3 bilhão, para os inativos.
A arrecadação tributária do Estado do Rio gira em torno de R$ 4 bilhões mensais. Uma perda hipotética de 30% derrubaria a receita para um patamar de R$ 2,8 bilhões. “Estaríamos [neste caso] numa situação absolutamente estrangulada”, afirma Carvalho, acrescentando que este valor teria de cobrir também o pagamento dos duodécimos (parcelas mensais) aos poderes Legislativo e Judiciário.
O Estado do Rio pleiteia uma transferência direta de R$ 10 bilhões do governo federal a fundo perdido. O secretário estadual de Fazenda argumenta que, se não houver recomposição de receitas tributárias ou outra forma de socorro financeiro, não só o Rio de Janeiro mas todos os outros Estados vão quebrar. Esta seria, segundo ele, uma terceira onda da crise provocada pelo avanço do novo coronavírus. A primeira seria a crise sanitária propriamente dita. A segunda, a desaceleração econômica e o fechamento de empresas. A terceira onda seria provocada pelo colapso financeiro dos Estados.
O Estado chegou a registrar em março aumento na receita consolidada de ICMS, ante igual mês de 2019. No Rio, não há prazo estipulado para o fim do isolamento social. O governador Witzel afirmou na semana passada que a reabertura gradual da economia só ocorrerá após implantação de hospitais de campanha e análise técnica da Secretaria estadual de Saúde.