O Globo, n. 32.298, 10/01/2022. Política, p. 7
Sob Bolsonaro, extrema direita se radicalizou
Guilherme Caetano
Após
três anos de governo Bolsonaro, a extrema direita que o ajudou a se eleger
conquistou avanços, normalizou valores sociais que defende e perdeu
oportunidades inéditas. É o que aponta análise de estudiosos do bolsonarismo,
convidados pelo GLOBO a fazer um balanço, desde 2018, do grupo mais à direita
do espectro político no país.
Uma
das mais notáveis mudanças foi a aceleração da extrema direita brasileira,
agora ator global de peso, diz Odilon Caldeira Neto, coordenador do
Observatório da Extrema Direita. E, após as derrotas de Donald Trump nos EUA e
José Antonio Kast no Chile,
as eleições brasileiras, afirma, ganharam mais relevância:
—O
Brasil passou de receptora produtor de premissas de extrema direita. Não à toa,
Steve Bannon tem muito interesse na eleição daqui—diz.
O ex-conselheiro político do ex-presidente Trump foi
considerado um dos responsáveis pela vitória do republicano em 2016. E antes
mesmo de assumir a Presidência, Bolsonaro já mantinha contato com Bannon,
relação cujo elo sempre foi o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Mas,
como naufrágio do Aliança pelo Brasil, partido que Jair Bolsonaro (PL) tentou
montar após deixar o PSL, em 2019, a direita radical perdeu a oportunidade de
se “institucionalizar”. É o que defende Christian Lynch, da Uerj. A “perda de
diz, pode ter sido crucial para a organização política futura do grupo.
—
Em vez de se materializar num partido, o bolsonarismo alugou o Centrão. Uma
eventual derrota eleitoral de Bolsonaro será um baque muito mais duro do que
foi para a esquerda o impeachment de Dilma, pois o PT tem enraizamento social,
hierarquia, burocracia, intelectuais —diz Lynch.
Base
capilarizada
Aliados
de Bolsonaro já vaticinavam que a falta de um partido único que abrigasse a
base ideológica do presidente havia sido responsável pela derrota do governo
nas eleições municipais de 2020. Pulverizados em siglas como PRTB, PTB, PSL,
PSC, Patriota e Republicanos, poucos bolsonaristas se elegeram.
A
cientista política Camila Rocha, da USP, por outro lado, avalia que o poder de
mobilização de Bolsonaro, mesmo sem um partido próprio, é expressivo. Ela
destaca que, enquanto Bolsonaro estava no PSL, seus correligionários fundaram
diretórios em cidades pequenas, o que ajudou a capilarizar sua base. E afirma
que o grupo se vê mais como um movimento, uma “frente”.
—
Não ter um partido único é estratégia bem anterior à ascensão bolsonarista, já
estava desenhada na nova direita e faz sentido para quem se vê como
antissistema — diz.
Bolsonaro
se filiou ao PL em novembro, mas sua base de apoio está dispersa por partidos
diversos. E aliados do presidente, sob reserva, ponderam se uma migração em
massa para o PL seria a melhor estratégia para a reeleição.
Caldeira
Neto lembra também que, em três anos de governo Bolsonaro, houve “certa
normalização” de grupos extremistas, mais legitimados a manifestar seu discurso
de ódio e praticar crimes de intolerância. Autoritarismo, hierarquia e
nacionalismo se tornaram mais difundidos.
Levantamento
do GLOBO mostrou que o número de inquéritos abertos pela Polícia Federal para
investigar casos de apologia ao nazismo, por exemplo, disparou em 2020, na
comparação com a série histórica da última década, passando de 20 em 2018 para
110 em 2020.
Risco
à democracia
A
professora da UFSC Letícia Cesarino, que estuda grupos extremistas em
plataformas digitais, diz que a rede de informação bolsonarista está menor, mas
mais radicalizada. E alerta que seu ecossistema — WhatsApp, Telegram,
Facebook, Twitter, YouTube e outras redes —, onde circulam conteúdos com
ataques e de descrença a instituições como imprensa, universidades e partidos
políticos, contribui para a corrosão da democracia.
Ela
detecta uma “zona cinzenta” entre o subterrâneo das redes digitais
bolsonaristas e a arena pública. Nesse espaço, diz, ideias radicais circulam
entre pessoas que não são necessariamente extremistas.
Um
exemplo são os canais antivacina do Telegram, ao unir
pessoas que defendem estilo de vida “natural”, livre de medicamentos produzidos
em laboratório, e apoiadores de Bolsonaro que replicam seus ataques à
imunização contra a Covid-19 e disseminam mentiras e distorções sobre a
pandemia.
—
A pandemia acelerou isso, e questões como a desinformação sobre urnas
eletrônicas já começam a repercutir nesse segmento intermediário —afirma.