O Globo, n. 32.298, 10/01/2022. Saúde, p. 10
AUTOTESTE VETADO
Giulia Vidale e Evelin
Azevedo
A nova onda de Covid-19 ocasionada pela variante Ômicron,
altamente contagiosa, tem causado superlotação dos locais que realizam testes
para a detecção da doença, como Unidades Básicas de Saúde (UBS), pronto socorro
de hospitais, laboratórios e farmácias das grandes cidades. Usados para
desafogar os sistemas de saúde e agilizar os diagnósticos nos Estados Unidos e
em muitos países da Europa, os autotestes — exames rápidos de antígeno que
podem ser feitos em casa por qualquer paciente — não têm seu uso aprovado pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Especialistas
ouvidos pelo GLOBO afirmam que esse tipo de teste poderia ajudar no controle da
pandemia ejá deveria estar disponível no país há
muito tempo.
—
Seria muito bom, tanto por uma questão de vigilância quanto para isolamento, se
pudéssemos distribuir testes na casa das pessoas e elas testassem no primeiro
sintoma, com resultado rápido e autoexplicativo — diz o infectologista Renato
Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
Nos
EUA e na Europa, esse tipo de teste está disponível desde o ano passado. Em
alguns lugares, é possível comprá-lo na farmácia, sem receita médica. Em
outros, ele é disponibilizado gratuitamente pelo governo.
—Essa
estratégia é chamada de vigilância participativa. Tem experiência disso em
vários lugares. No Brasil, a fabricante poderia fazer um acordo com o
Ministério da Saúde e, com um simples QR Code na
embalagem, a pessoa seria direcionada para uma página onde ela informa o
resultado do teste — diz o epidemiologista Wanderson de Oliveira, ex-secretário
de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
No
Reino Unido, basta fazer a solicitação pela internet ou passar em uma farmácia
e retirar os testes gratuitamente. Se o resultado for positivo, o usuário deve
se isolar e relatar às autoridades sanitárias. Cingapura começou a enviar seis
kits de teste rápido para todas as famílias em setembro. Na França, é possível
comprar o autoteste em supermercados.
No
Brasil, estão disponíveis apenas autotestes rápidos para gravidez e diabetes.
Uma resolução de 2015 da Anvisa afirma que “não podem ser fornecidos a usuários
leigos produtos de autoteste que têm como finalidade testar amostras para a
verificação da presença ou exposição a organismos patogênicos ou agentes
transmissíveis, incluindo agentes que causam doenças infecciosas passíveis de
notificação compulsória”.
Como
ele funciona
O
autoteste é um exame rápido de antígeno, semelhante ao disponível em farmácias:
com um swab, o paciente coleta secreção nasal ou pela
saliva e depois mistura a uma solução que vem no kit. O diagnóstico é revelado
em poucos minutos e indica se a pessoa está com uma infecção ativa.
Uma
das críticas em relação a esse tipo de teste é sobre a precisão do diagnóstico.
—
Se a coleta não for feita adequadamente, pode comprometer o resultado do exame.
Além
disso, esse exame não tema mesma precisão dos outros testes. Te rum resultado
negativo não significa que apessoa não está infetada
e, combas e nesse resultado, ela pode não se isolar,
relaxar e disseminar a doença —explica Chrystina
Barros, pesquisadora em saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Um
estudo recente feito por pesquisadores da Covid-19 Sports and
Society Working Group
sugere que dois autotestes caseiros amplamente utilizados nos EUA podem falhar
na detecção da Ômicron, mesmo quando as pessoas estão
com uma carga viral alta.
Por
outro lado, para o infectologista Leonardo Weissmann, do Instituto Emílio Ribas
e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a possibilidade de
resultados falsos negativos não é motivo para não regulamentar o acesso
universal ao teste.
Para
evitar equívocos, é consenso entre os especialistas a necessidade de educar e
dar suporte à população ao implementar essa estratégia.
—Estamos
em um momento que exige testar o máximo possível. A auto
testagem poderia ajudara identificar mais casos e reduzir a
transmissão—diz Weissmann.
Para
o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel), a discussão sobre os autotestes chega ao Brasil com
um ano e meio de atraso:
—Quando
era para estar investindo em testagem, o Brasil gastava dinheiro público com
cloroquina e outros medicamentos que não servem para nada ao enfrentara Covid-19.