Valor Econômico, 28/04/2020, Segurança digital, p. F1

Proteção domiciliar
Jacilio Saraiva


Com a expansão do home office, impulsionada pelo isolamento social provocado pela covid-19, ganha força o setor de soluções de segurança para sistemas corporativos, que agora podem ser acessados em ambientes domésticos. Um levantamento da consultoria de recursos humanos Mercer, realizado entre o fim de março e o início de abril com 609 empresas no país, indica que 78% do total já ofereciam trabalho remoto ou jornadas flexíveis para os funcionários.

“Com o avanço dessa modalidade de trabalho, mais companhias vão reforçar ferramentas de proteção para preservar operações”, diz Luciano Ramos, gerente de pesquisa e consultoria da IDC Brasil, especializada no mercado de tecnologia da informação (TI). Softwares de controle de acesso e soluções de VPN (sigla em inglês para rede privada virtual) estão liderando as demandas.

O aumento de ataques virtuais, que usam temas ligados ao coronavírus para disparar e-mails falsos e vírus eletrônicos, também tira o sono das empresas. De acordo com a Trend Micro, multinacional de softwares de segurança com sede no Japão, já foram detectados mais de 22,7 mil endereços de internet maliciosos com alguma relação com a covid-19, em todo o mundo, somente no primeiro trimestre. O Brasil aparece na lista de países-alvo com 3,8% do total de ameaças recebidas - os Estados Unidos lideram, com 26,5%.

Para a IDC, a preocupação das organizações com a blindagem de sistemas começou a ganhar escala desde a preparação para a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entraria em vigor em agosto, mas foi adiada para 2021 por conta da pandemia. Somente o nicho de aplicações de segurança (que exclui orçamentos de consultorias e serviços) faturou US$ 219,7 milhões em 2019, um salto de 3%, na comparação com 2018. No total, o mercado de segurança no Brasil movimentou US$ 1,5 bilhão em 2019. Foi o único setor de TI a registrar alta, no ano, ao lado do nicho de redes, que avançou 4,4%. Áreas como servidores e armazenamento de dados, perderam 10,6% e 5%, respectivamente.

Apesar do aquecimento em 2019 e de uma esperada demanda por proteção de sistemas em home office, o mercado de segurança não vai sair da quarentena sem arranhões, segundo Ramos. Antes do isolamento social, a IDC estimava que o setor atingiria um faturamento de US$ 4 bilhões na América Latina em 2020, um aumento de 12% em relação ao ano anterior. Agora, a previsão é que esse crescimento perca de dois a três pontos percentuais. “Os clientes deverão pedir aos fornecedores contratos com melhores prazos de pagamento e ajustes no volume de ativos a serem monitorados”, afirma.

Na visão do especialista, dependendo da dimensão da crise, os primeiros segmentos de negócios que vão comprar soluções de TI no período pós-pandemia serão o varejo e o financeiro, entre o terceiro e o quarto trimestres de 2020. Indústrias e governo devem demorar mais para colocar a mão no bolso - somente entre o primeiro e o terceiro trimestres de 2021, diz.

Enquanto isso, fornecedores montam pacotes de home office e de softwares de segurança para operações que não podem parar. “São sistemas que oferecem condições de acesso com a mesma garantia que um funcionário teria se estivesse na empresa”, explica Paulo Venâncio, diretor de pré-venda de soluções digitais da Embratel.

epEntre as novas opções da operadora está a VPNaaS, conduzida em parceria com a companhia de cibersegurança Fortinet. A ferramenta cria, sobre a conexão de internet da casa do usuário, uma espécie de “túnel” seguro para o fluxo de dados a sistemas corporativos. O preço depende da quantidade contratada de recursos. Um contrato para até mil usuários, por exemplo, custa R$ 475 mensais nos três primeiros meses ou menos de R$ 0,50 ao mês, por funcionário. De acordo com Venâncio, as primeiras demandas chegaram de São Paulo, principalmente entre companhias de pequeno e médio porte.

Luiz Camargo, vice-presidente para a América Latina da Nice, da área de software, afirma que desde o início da pandemia a busca por soluções na nuvem aumentou 200%, com encomendas de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina. Uma das ofertas é uma plataforma que permite a atuação, em home office, de equipes de contact center (atendimento ao cliente), com acesso via login e senha. Inclui um período de utilização gratuita de 60 dias. Depois, o preço médio de entrada é de US$ 80 ao mês, por usuário.

Cláudio Bannwart, country manager da Check Point Brasil, do setor de cibersegurança, já identificou um avanço de 80% nos negócios desde o início da quarentena. “Muitas empresas não estavam preparadas para colocar todos os funcionários em home office e houve uma correria atrás de ferramentas para acesso seguro. Tivemos solicitações de companhias que precisavam deslocar de dez até 100 mil pessoas para casa, diz. O maior volume de aquisições veio de segmentos como finanças e varejo. As soluções da fabricante também podem ser usadas em aplicações na nuvem, datacenters e dispositivos móveis.

Outros fornecedores montaram campanhas de vendas e detectam demandas em novos setores. A Trend Micro franqueou por seis meses, para clientes, uma solução que bloqueia e-mails de phishing (captura de dados pessoais), segundo o major account manager Rafael Coutinho.

Mauro Vicente, gerente de vendas da Avast Business na América Latina, diz que, além das ameaças cibernéticas conhecidas, há um número crescente de ataques a computadores de hospitais. A maioria tenta instalar ransomwares (tipo de software malicioso) em sistemas críticos de TI.

Na opinião de Luiz Faro, diretor de engenharia para a América Latina da Forcepoint, de soluções de proteção, é preciso que as companhias também orientem os colaboradores sobre boas práticas de segurança.

Foi o que fez a Siemens, que desde 16 de março já enviou para casa 2,5 mil funcionários ou 60% do quadro, em 12 Estados. De acordo com Fernando Simões, CIO para infraestrutura e indústria, foram desenvolvidos materiais informativos e treinamentos, principalmente sobre e-mails falsos que podem chegar nas máquinas dos funcionários. “Usamos soluções de acesso seguro nas redes e aumentamos a capacidade de reuniões on-line para cobrir um crescimento de até 400% no número de usuários remotos.”