Valor Econômico, 29/04/2020, Política, p. A7
Mendonça assume cadeira de Moro e pavimenta caminho para Supremo
Murillo Camarotto
Fabio Murakawa
Confirmado ontem para ocupar a cadeira deixada por Sergio Moro no Ministério da Justiça, o advogado André Luiz Mendonça será substituído na Advocacia-Geral da União pelo também advogado José Levi do Amaral Júnior, de 43 anos, e que desde o início do governo Bolsonaro estava à frente da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Tanto Mendonça quanto Levi têm excelente trânsito com o Judiciário e são cotados para preencher as duas vagas para o Supremo Tribunal Federal que Bolsonaro deverá indicar com as aposentadorias de Celso de Mello, em novembro e Marco Aurélio Mello, em abril.
Bolsonaro confirmou a ida do delegado Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal. É um episódio raro na história do Ministério da Justiça, já que normalmente é o titular da pasta que escolhe um nome para a PF e o submete ao presidente.
Com a confirmação da ida do delegado Alexandre Ramagem para a direção da PF, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ficou a cargo de Frank Márcio de Oliveira, que até então ocupava a diretoria-adjunta do órgão. Seu nome foi anunciado pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno.
Em suas redes sociais, o general destacou os mais de 20 anos de experiência acumulados por Oliveira como oficial de inteligência. “Tenho a convicção de que a agência seguirá em boas mãos”, afirmou o titular do GSI.
Pastor de uma igreja presbiteriana, Mendonça é próximo do presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, e este foi um dos principais fatores que o credenciaram para o posto.
A boa relação com o presidente do STF, ao mesmo tempo, é o que fez com que os bolsonaristas mais radicais manifestassem reserva em relação ao seu nome quando ele foi indicado para o comando da Advocacia-Geral da União (AGU).
Doutor em direito pela Universidade de Salamanca e servidor de carreira do órgão, Mendonça concentrou boa parte de sua trajetória em políticas de combate à corrupção. Em 2011, foi vencedor do tradicional Prêmio Innovare, na categoria de combate ao crime organizado.
Antes de ser chamado para assumir a AGU, no fim de 2018, Mendonça estava cedido à Controladoria-Geral da União (CGU), onde era a cabeça por trás dos acordos de leniência negociados entre o governo e as gigantes envolvidas na Operação Lava-Jato, como Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.
A atuação era feita em dobradinha com o ministro da CGU, Wagner Rosário, um dos poucos que estavam no primeiro escalão do ex-presidente Michel Temer e que foram mantidos por Jair Bolsonaro. Uma rede de entusiasmadas indicações - a de Rosário entre elas - levaram Mendonça à Esplanada dos Ministérios.
De perfil discreto e técnico, o novo ministro da Justiça acabou se tornando a principal referência jurídica no governo Bolsonaro, mesmo com a festejada presença de Moro. Os dois passaram, então, a ter os seus nomes entre os mais cotados para as cadeiras que ficarão vagas no STF durante o mandato de Bolsonaro.
Quase todo mundo supunha que Moro teria a preferência para a primeira indicação, o que explica a surpresa gerada com a afirmação de Bolsonaro de que o seu escolhido para a vaga de Celso de Melo seria alguém “terrivelmente evangélico”. Mendonça tem papel ativo na comunidade protestante.
Apesar de lisonjeado com a possibilidade de ser alçado em breve ao topo da carreira jurídica, André Mendonça é radical em seu silêncio sobre a provável ascensão ao STF. Ele também rejeita, com algum bom humor, a face “terrível” de sua religiosidade.
Pessoas próximas garantem que Mendonça não estava muito entusiasmado com a possibilidade de assumir a pasta deixada por Moro, especialmente devido à forma como o ex-juiz da Lava-Jato desembarcou do governo. Também não havia dúvidas, entretanto, de que ele aceitaria a “missão” imposta pelo chefe.
Sob seu comando, o Ministério da Justiça deve manter o caráter introvertido vigente até então. Ainda não se sabe ao certo, porém, como Mendonça vai manobrar os arroubos autoritários de Bolsonaro, especialmente em assuntos relacionados à Polícia Federal. Ele poderá se livrar do problema, caso prospere a cisão da área de segurança pública.
No Ministério da Justiça, a tendência é que Mendonça busque acomodar as vontades do chefe dentro dos limites institucionais da pasta. Até aqui, alguns constrangimentos foram inevitáveis na AGU, como buscar sentido nas andanças do presidente em meio à pandemia ou justificar o ímpeto de uma “canetada” para acabar com as quarentenas impostas por governadores e prefeitos.
No novo posto, os desafios tendem a ser muito menos técnicos e mais políticos. Ainda assim, a postura do ministro - candidatíssimo ao STF - é bastante previsível. O problema é o perfil do chefe, “terrivelmente” Bolsonaro. (Colaboraram Matheus Schuch, Juliano Basile e Isadora Peron)