O Globo, n. 32.298, 10/01/2022. Política, p. 4
PIRÃO PRIMEIRO
Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo
O crescimento do fundo eleitoral aprovado pelo Congresso —para R$ 4,9 bilhões
neste ano, 192% a mais que nas eleições passadas —atendeu à vontade dos
partidos, e ao mesmo tempo faz detonar a segunda etapa da disputa por recursos:
a briga pelo rateio interno do dinheiro. Nas legendas que terão nome ao
Planalto, a pressão sobre o comando das siglas costuma opor os presidenciáveis
às bancadas parlamentares, interessadas em primeiro lugar na própria reeleição.
Os
principais nomes postos ao Planalto enfrentam, em maior ou menor grau, este
conflito interno. Pelo protagonismo na política nacional e posição nas
pesquisas de intenção de votos, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) devem ter menos obstáculos internos para uma campanha rica, mas mesmo
nessas siglas já há previsão de divergência. Sergio Moro, recém-chegado ao
Podemos, Ciro Gomes (PDT) e João Doria, que já tem a antipatia prévia de boa
parte da bancada federal do PSDB, podem enfrentar uma disputa mais conflituosa
pelas verbas.
Para
candidatos que ainda precisam consolidar o nome na disputa, como
Rodrigo Pacheco (PSD) e Simone Tebet (MDB), por exemplo, a briga
fratricida por recursos, se aliada a uma dificuldade de crescimento, podem
acabar sendo fatais para a candidatura.
A
legislação em vigor estabelece que os presidenciáveis podem usar até R$ 70
milhões em suas campanhas e outros R$ 35 milhões caso passem ao segundo turno.
O aumento do bolo total deve permitir um crescimento do que foi gasto pelos
presidenciáveis em 2018. Lideranças partidárias acreditam, porém, que os
valores extras serão direcionados em sua maior parte para as campanhas de
deputados federais.
Bolsonaro
entrou no PL — um partido acostumado a priorizar a eleição para a Câmara —
porque queria uma sigla com mais estrutura (e dinheiro) do que teve há quatro
anos. A legenda terá R$ 286 milhões do fundão, e sabe que terá que destinar uma
fatia generosa do fundo para a campanha presidencial. A aposta dos caciques
passa pela conta de que Bolsonaro garantirá grande exposição aos candidatos ao
Legislativo, mas há pressão por mais verbas para todos.
No
PT, a segunda sigla no ranking da distribuição do fundo, com R$ 490 milhões, a
expectativa é que a candidatura do ex-presidente Lula conte com o máximo de
recursos que a legislação permitir. Os atuais deputados querem prioridade nos
repasses, mas há uma segunda camada da disputa: uma forte pressão, desde a
eleição de 2020, da juventude da legenda para ter acesso a mais dinheiro com o
argumento de que deve ser promovida uma renovação de quadros. Um parlamentar
experiente prevê uma “guerra” pelo dinheiro nos próximos meses.
—
Com certeza vamos pautar dentro do diretório e da executiva nacional do PT a
divisão do fundo eleitoral entre as secretarias setoriais, sempre buscando a
mais justa divisão e o maior valor possível — afirma a secretária nacional de
juventude do PT, Nádia Garcia.
Os
partidos ainda não iniciaram formalmente as discussões sobre a divisão do fundo
eleitoral. Na eleição de 2018, a primeira disputa nacional depois que o
mecanismo foi criado, as legendas priorizam os deputados que tentavam a
reeleição. O PP, por exemplo, destinou R$ 2 milhões para cada um dos seus
parlamentares que concorreram a um novo mandato e tinham seguido a orientação
da legenda em votações, como a aprovação do fundo eleitoral e o impeachment de
Dilma Rousseff. O partido teve R$ 131 milhões do fundo eleitoral em 2018 e
contará com R$ 343 milhões este ano. A tradição de privilegiar os nomes ao
Parlamento foi mantida, tanto que o partido não resistiu à preferência de
Bolsonaro pelo PL e deixou de trazer potenciais candidatos a governador, como
Cláudio Castro, no Rio.
—
Os partidos aumentam cada vez mais o fundo e como o critério para a divisão é
muito baseado no desempenho na eleição da Câmara, eles são incentivados a
colocarem mais dinheiro para fazerem uma grande bancada na Câmara. É um sistema
que se retroalimenta — analisa o pesquisador Bruno Carazza,
autor do livro “Dinheiro, eleições e poder”.
Concentração
No
PSDB, há pressão na bancada federal para que o partido gaste a maior parte dos
recursos do fundo com a eleição do Congresso. Essa cobrança é mais enfática
entre os aliados do deputado Aécio Neves (MG), que sempre questionou a
viabilidade de uma candidatura a presidente do governador João Doria. A sigla
terá R$ 318 milhões do fundo eleitoral.
Situação
semelhante ocorre no Podemos, que pretende lançar o ex-juiz Sergio Moro ao
Palácio do Planalto. Embora o comando da sigla apoie Moro, para uma ala da
sigla, o foco em 2022 deve ser aumentar a bancada. O partido terá R$ 231
milhões.
Aliados
rebatem e afirmam que a campanha de Moro não deve ser das mais dispendiosas, já
que o exjuiz fez críticas do aumento dos recursos do
fundo eleitoral e classificou a medida como “errada” num momento em que muitos
brasileiros passam dificuldades.
No
PDT, que receberá R$ 302 milhões, não há uma expectativa de aumento
considerável de recursos para as campanhas, mas há previsão de elevar o
dinheiro destinado a Ciro em relação a 2018. Os candidatos a deputados
estaduais e federal ficariam com cerca de R$ 90 milhões.
O
partido campeão de recursos do fundo eleitoral será o União Brasil, legenda que
surgirá da fusão do DEM com o PSL. A sigla não deve ter candidato a presidente,
o que deve facilitar a repartição dos seus R$ 780,9 milhões entre os
postulantes a governador e deputado.
Relatora
do novo Código Eleitoral, a deputada Margarete Coelho (PP-PI) também prevê que
a fatia extra de recursos irá para as campanhas de deputado, mas acredita que
isso vai gerar uma pulverização dos recursos.
—
O gasto individual por campanha não deve aumentar. Teremos mais candidatos com
acesso a recursos, uma pulverização maior. Os partidos costumavam distribuir
mais para quem têm mandato, como os deputados federais. Os candidatos a
deputado estadual tinham pouco acesso. Agora, para encher o teto tem que ir
para os estaduais — afirma a deputada.
Carazza argumenta, porém, que o histórico mostra que a
pulverização do dinheiro não deve ser a regra.
—
As eleições passadas indicam que a distribuição de dinheiro fica muito
concentrada justamente nos deputados que buscam reeleição ou nos seus aliados
mais próximos e nos parentes dos líderes dos partidos.