Título: Assuntos polêmicos pendentes
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 28/12/2005, País, p. A5

O Supremo Tribunal Federal (STF) também deixou de resolver questões de grande repercussão social e política. Entre elas, estão a permissão do aborto por mulheres portadoras de fetos sem massa encefálica, a constitucionalidade de leis referentes a cotas para negros (afrodescendentes) e outras minorias nas universidades públicas e a possibilidade de progressão para os regimes semi-aberto e aberto das penas de condenados por crimes hediondos.

Na questão do aborto, o STF sinalizou, no dia 27 de abril, que considerará isenta de pena a gestante que abortar por ser portadora de feto anencefálico, equiparando a prática às duas exceções já previstas no Código Penal - se ''não há outro meio de salvar a vida da gestante'' ou se a gravidez resulta de estupro. Por sete votos a quatro, o plenário considerou admissível a ação de ''argüição de descumprimento de preceito fundamental'' (Adpf) ajuizada pela Confederação Nacional de Trabalhadores na Saúde.

Até agora não se julgou o mérito da ação, cujo relator é o ministro Marco Aurélio. Ele, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim entenderam que a Adpf era ''adequada e cabível'', porque provocava o Supremo a se posicionar sobre ''controvérsia fundamental'', tendo em vista os princípios constitucionais da dignidade humana, da liberdade e autonomia da vontade e do direito à saúde. Votaram contra o recebimento da ação os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Carlos Velloso, na linha de que só o Legislativo poderia - via lei ordinária - acrescentar ao Código Penal mais um caso de aborto legal. O relator Marco Aurélio resolveu promover uma audiência pública antes do julgamento do mérito da ação. Mas o tempo foi passando, e o próprio ministro admite que - em virtude do acúmulo de processos, entre os quais do Tribunal Superior Eleitoral, de que é integrante - ficou no aguardo da votação de um projeto de lei em curso no Congresso que amplia os casos de ''aborto legal'', inclusive o de fetos anencefálicos.

Em 3 de maio de 2004, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) propôs ação de inconstitucionalidade contra lei estadual do Rio de Janeiro que estabeleceu reservas de vagas (cotas) nas universidades públicas para negros (20%), estudantes da rede estadual (20%) e deficientes físicos (5%). Para os advogados da Confenen João geraldo Piquet Carneiro e Guilherme Magaldi, a lei fere dispositivos constitucionais, a partir da ''cláusula pétrea'' de que todos são iguais perante a lei, ''sem distinção de qualquer natureza''.

O relator da ação é o ministro Sepúlveda Pertence, que recebeu, ainda em junho de 2004, as informações solicitadas ao governo estadual e à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Desde então, não houve nenhuma movimentação importante do processo, nem o pedido obrigatório de parecer do procurador-geral da República. No andamento processual, há uma lista de 26 instituições que ingressaram na ação como ''amici curiae'' (partes interessadas), desde a Conectas Direitos Humanos até o grupo Ilé Axé Ya Manjele O.

Outro tema polêmico pendente são os crime hediondos. Tem entrado e saído da pauta do STF um recurso em habeas corpus (protocolado em 1/4/2003) que será paradigma para definir se o autor de qualquer crime listado como hediondo (Lei 8072/90) pode de valer da atenuação progressiva da pena. Oséas de Campos, condenado por atentado violento ao pudor, recorreu de uma decisão contrária do Superior Tribunal de Justiça à pretensão de que tem direito à progressão da pena, porque a lei que definiu o crime de tortura, de 1997, permitiu o benefício. Assim, por isonomia, o instituto deveria ser adotado para os outros tipos de crimes hediondos, como o seu. Já votaram a favor dessa tese, depois de dois pedidos de vista, os ministros Marco Aurélio (relator), Ayres Britto, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. Faltam votar - além de Ellen Gracie, a última a pedir vista - os ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim e Eros Grau. Como Pertence praticamente antecipou seu voto nos debates anteriores, tudo indica que a progressão da pena em todos os crimes hediondos será acolhida pelo STF.