Título: Autoridades se desencontram
Autor: Duilo Victor e Mariana Filgueiras
Fonte: Jornal do Brasil, 29/12/2005, Rio, p. A6

O enterro dos dois policiais civis mortos durante a tentativa frustrada de resgate do traficante Marcélio de Souza Andrade, na tarde de terça-feira, em frente ao Fórum da Ilha, foi marcado por um clima de ¿jogo de empurra¿ entre as autoridades policiais presentes. Apesar do sucesso da operação de busca aos bandidos ¿ três dos quatro criminosos que participaram da ação foram presos e o outro morreu ¿ houve divergência sobre a responsabilidade dos erros cometidos. No final da noite, o secretário Marcelo Itagiba se reuniu com o comandante-geral da PM, Hudson Aguiar, e com o chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins, e determinou a adoção de ¿medidas urgentes e duras¿. A decisão do secretário, que determinou a Lins e Hudson que lhe entreguem relatórios às 9h de hoje, foi tomada após conversar longamente com o juiz Marcelo Villa, do Forum da Ilha, e receber do magistrado cópia do depoimento de David Antony Silva Luna, o Ratinho, 21 anos. David, que foi preso após participar da tentativa de resgate, afirmou que Marcélio usava regularmente um aparelho de telefone celular dentro da carceragem da Polinter e o utilizou para articular a ação dos comparsas. Segundo David, o preso fez contato com a quadrilha momentos antes de embarcar na viatura que o levou ao Forum.

¿Se, por acaso, vier a se confirmar a versão apresentada pelo criminoso em depoimento prestado diretamente ao juiz, todas as pessoas que permitiram a entrada e o uso do telefone celular na carceragem terão participado, mesmo que de forma indireta, das mortes dos dois policiais, e serão penalmente e administrativamente responsabilizadas pelos crimes ¿ afirmou o secretário Marcelo Itagiba.

O secretário determinou ao chefe de Polícia Civil o afastamento das equipes de plantão na carceragem e uma revista minuciosa em todas as celas, além da devida apuração da denúncia que consta no depoimento do preso. Em seu depoimento, David Luna afirmou que Marcélio tinha o hábito de falar com seu irmão Diego Luiz Silva de Luna, 20 anos, morto na operação de captura feita pela polícia ao foragido e aos bandidos que o resgataram.

Mais de 600 pessoas, entre amigos, colegas de trabalho e parentes participaram do sepultamento, no Mausoléu do Policial, no Cemitério do Caju. O secretário Marcelo Itagiba, chegou logo no início do velório e foi enfático ao discordar da condução do episódio.

¿ Instauramos uma sindicância para apurar de quem é a culpa nessa cadeia de comando. Foi um erro grave de avaliação de periculosidade. Se o bandido era tão perigoso, por que não pediram auxílio no transporte? A Polícia Militar poderia ajudar, a Core (Coordenadoria de Operações Especiais) também, poderiam ter pedido até o Pacificador (viatura blindada da Polícia Civil) ¿ indignou-se Marcelo Itagiba.

O bandido, morto durante o confronto, comandava o tráfico de drogas no Morro do Juramento, Zona Norte, e era braço direito do traficante Edmilson Ferreira dos Santos, o Sassá, um dos maiores distribuidores de drogas e armas do estado. Além disso, Marcélio fazia parte do bando de Pedro Dom, que comandou dezenas de assaltos a residências de classe média alta na Zona Sul e Oeste este ano. Mesmo assim, o delegado da Polinter admitiu que não sabia que ele era um ¿cabeça¿ do tráfico.

¿ O bando tinha o Sassá como alvo, e errou de viatura. Foi um erro de viatura, não de avaliação. São criminosos novos, que querem aparecer no mundo do crime. Se fosse uma ação inteligente, não teriam atirado à queima-roupa, o carro do bando não tinha quebrado, não tinham ferido uns aos outros ¿ justificou Cláudio Góis, lembrando que Sassá deporia no mesmo dia e seria o objetivo do bando.

As medidas criadas para evitar problemas com as próximas escoltas também geraram debate: enquanto o secretário estadual de Segurança Pública disponibilizava a ajuda da Polícia Militar, o chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins, lamentava ter que disponibilizar policiais civis do setor de investigações para reforçar as próximas escoltas ¿ diariamente são feitas cerca de 350, por percursos de até 50 quilômetros.

¿ Não temos um efetivo ideal, são 11.500 policiais para 5.500 presos no estado, mas vamos ter que rever a conduta das escoltas. Em três anos, nunca tivemos problemas ¿ lembrou Lins.

Além da reavaliação da conduta, Álvaro Lins garantiu que uma Vara Criminal será construída dentro do Complexo de Bangu para que bandidos perigosos não tenham que deixar o presídio para prestar depoimentos.

¿ Em vez de saírem 350 criminosos diariamente para o Centro, é mais viável criar a unidade dentro de Bangu, esta proposta do Cavalieri é muito bem-vinda ¿ afirmou, referindo-se ao autor da idéia, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Sérgio Cavalieri.

A mãe de uma das vítimas, Fernando Guilherme Medeiros Queiroz, 53 anos, passou mal durante o enterro, emocionada. A mãe de Luiz Hermes Ferraz, 43 anos, recebeu das mãos do chefe de Polícia Civil a bandeira do estado.

¿ Ele era obstinado, mesmo com a cabeça machucada foi trabalhar porque amava a polícia acima de tudo ¿ lembrou, muito emocionada, Elenice Ferraz Dantas, de 65 anos.

Elenice foi amparada pelo secretário de Segurança em pessoa.

¿ Ninguém mais do que eu ressente a morte de um policial, porque eu sou um deles ¿ disse Itagiba.