Título: Poder de pai para filho. De novo
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Fonte: Jornal do Brasil, 29/12/2005, Rio, p. A9

A sucessão na Coréia do Norte finalmente tornou-se assunto de Estado. Segundo recente editorial da imprensa oficial, é real a possibilidade de o folclórico líder Kim Jong Il passar o poder a um dos seus filhos, apesar de o assunto ter sido banido por ordem dele de qualquer debate público sobre o assunto. A questão sobre quem tomará as rédeas do poder na reclusa nação asiática depois de Kim, atualmente com 63 anos, alimenta especulações desde que o atual governante sucedeu o pai, Kim Il Sung, em 1994, estabelecendo a primeira e única dinastia comunista do mundo. O anúncio nada mais seria do que a confirmação dessa hereditariedade.

''A revolução é um feito histórico prolongado, que se estende ao longo de gerações'', publicou o jornal oficial Rodong Sinmun, domingo, em um editorial assinado pela agência de governamental Korean Central News Agency . O texto prossegue prevendo um ''futuro triunfante'' e uma ''grande sucessão''. E, na frase mais significativa, deixa a pista no meio da retórica tortuosa: ''As lições da História mostram que a menos que o tema da sucessão da liderança militar não seja resolvido como se deve, no tempo de uma troca de gerações na Revolução, as forças militares, que apoiaram lealmente seu líder por décadas, podem virar ferramentas de anti-revolução'', adverte.

O artigo não deixa claro se o processo de transferência hereditária de poder já teria sido efetivamente iniciado, mas sua publicação chamou a atenção, já que uma recente reportagem informou que Kim Jong Il instruiu auxiliares a coibir debates sobre a sucessão. Seu temor seria de que outro processo nos mesmos moldes da que o conduziu ao poder possa prejudicar sua imagem e a de seu pai e voltar a fazer do país uma piada na comunidade internacional.

Rumores de que Kim estava em vias de nomear um sucessor, provavelmente um de seus três filhos, aumentaram nos últimos meses. Segundo um texto, um deles, Kim Jong Chol, chegou a acompanhar o pai no banquete que o líder ofereceu ao presidente chinês, Hu Jintao, em outubro. Pequim e Seul negam a informação. Cheong Seong-chang, um especialista em Coréia do Norte ligado ao independente Instituto Sejong de Seul, diz que o editorial não só justifica a transferência de poder de Kim Il Sung para Kim Jong Il:

- Também há uma vertente do texto que justifica a transferência de pai para filho - defende Cheong, indicando que a cúpula comunista pretenderia se eternizar à frente do país.

De acordo com Cho Han-bum, pesquisador do Instituto para Unificação Nacional, também de Seul, o editorial dá a impressão de que o Norte se move. Lembra que foram necessárias duas décadas de preparação antes que Kim Jong Il assumisse efetivamente o poder do pai. Cho, no entanto, defende que ainda é cedo para Kim pensar no herdeiro porque é jovem e não estaria numa situação de crise que o ameaçasse. Há quem discorde. Para Jeong Se-hyun, ex-ministro da Unificação, o editorial não trata especificamente da sucessão norte-coreana de pai para filho.

- Há informações insuficientes para ligar o texto com uma sucessão de poder - critica Jeong.

Kim tem três filhos que poderiam herdar a liderança em uma Coréia do Norte cada vez mais próxima de deter arsenais nucleares e perita em um jogo diplomático de blefes e recuos que leva as Nações Unidas à loucura. Dois, Jong Chol, de 24 anos, e Jong Un, de 21, seriam filhos da mesma mãe, Ko Yong Hi. Outro filho, Kim Jong Nam, de 34 anos, é fruto do affair do líder com a atriz Sung Hae Rim, que morreu há alguns anos em Moscou.

Como em quase tudo sobre o país, pouco se sabe de Jong Chol, ex-favorito nas apostas. Apenas que estudou na Suíça e é fã de basquete profissional. Por muito tempo, Jong Nam foi considerado o substituto em potencial de seu pai. Especialistas, no entanto, garantem que ele destruiu suas chances ao constranger Pyongyang em 2001, quando foi pego tentando entrar no Japão usando um passaporte falso. Pior que sua prisão, foi a explicação dada às autoridade japonesas. Nam se justificou dizendo que pretendia viajar para conhecer a filial da Disneylândia em Tóquio. Na única dinastia vermelha no mundo, um deslize com cores tão capitalistas é algo imperdoável.

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