Título: ''CPI deixará rastro de frustração''
Autor: Fernando Exman
Fonte: Jornal do Brasil, 02/01/2006, País, p. A6

Todas as descobertas feitas até agora foram avanços positivos. Mas, ao encerrar seus trabalhos, a CPI dos Correios deixará como rastro um sentimento de frustração. A avaliação é do sub-relator de movimentações financeiras da comissão, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR). Apesar dos avanços, Fruet diz que a CPI dos Correios não chegará aos nomes de todos os parlamentares envolvidos no mensalão ou esquemas de caixa 2. Em relatório parcial, o parlamentar apontou que há provas de que os empréstimos tomados pelo PT por intermédio de Marcos Valério, o acusado de ser o operador do mensalão, eram simulações. Fruet pretende, em 2006, aproveitar a exposição que a CPI lhe garantiu para tentar se reeleger deputado federal e, assim, ocupar um espaço de maior destaque na Câmara. O parlamentar concedeu entrevista em seu gabinete durante a convocação extraordinária do Congresso.

Integrante da CPI dos Correios, do Conselho de Ética e da Comissão Mista de Orçamento, o tucano considerou o mês de dezembro produtivo para as investigações, apesar de a maioria dos colegas não ter comparecido ao Congresso. Fruet doará os cerca de R$ 25 mil a que tem direito pela convocação extraordinária para uma unidade da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de algum município do interior do Paraná.

- Quais serão os próximos passos das investigações?

- Tem que haver desdobramentos de natureza criminal. Quando a comissão começou, ela teve agilidade e condições de ter acesso a informações. Mas, com o passar do tempo, a reação se organizou, e a gente teve mais dificuldade para agendar convocações e marcar depoimentos. Enquanto ficamos nessa discussão, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público (MP) continuam a fazer depoimentos e acareações. Além disso, o MP requisitou outras informações e conseguiu ordens judiciais para o monitoramento de ligações telefônicas. Se em fevereiro a CPI aprovar o relatório com os pedidos de indiciamento, é bem provável que já no primeiro trimestre do ano que vem alguns pontos dos inquéritos estejam concluídos. Isso vai permitir ao MP oferecer as primeiras denúncias.

- A CPI encerrará os trabalhos em abril sem concluir todas as investigações?

- Precisamos ter a honestidade de mostrar o que não temos. Um exemplo é o conjunto de dados da conta Dusseldorf, do publicitário Duda Mendonça, no exterior. Até agora, a CPI não recebeu as informações. Existem alternativas, mas para ter efeito legal precisamos ter acesso via convênio com os Estados Unidos. O que chama a atenção é que o MP, a PF e o Departamento de Recuperação de Ativos (do Ministério da Justiça) mandaram representantes para Nova York. E o Ministério de Justiça perguntou ao Departamento de Justiça norte-americano e à Promotoria de Nova York se a CPI poderia ter acesso às informações.

- E poderia?

- Sim. Ela também tem natureza criminal. Não se pode lançar suspeitas. Mas, evidentemente, esse procedimento do Ministério da Justiça criou obstáculos à CPI ao fazer a consulta e ao comparar, mesmo que subliminarmente, a CPI dos Correios à do Banestado. A CPI do Banestado divulgou informações sem relatório final. Já a CPI dos Correios está divulgando dados com encaminhamentos. São coisas diferentes. Isso a CPI dos Correios pode fazer, tanto pela lei brasileira como pela dos EUA.

- O discurso do presidente Lula é de que nunca o Executivo investigou tão profundamente denúncias de corrupção. Pelo que o senhor diz, há dúvidas quanto a isso.

- Sim, há dúvidas. Se não se pode afirmar que está havendo manipulação de informações, também não se pode dizer que a CPI tem 100% de segurança nos dados recebidos e nem que esteja recebendo todas as informações referentes às linhas existentes de investigação.

- Por que?

- Em primeiro lugar, existem posições diferentes dentro da PF. Além disso, existe disputa de poder entre PF, MP, Receita Federal e Banco Central. Isso deve ser refletido, até para permitir uma maior colaboração. Mas, não se pode afirmar que está havendo sonegação ou manipulação.

- Operações irregulares foram realizadas sem que se tornassem públicas durante muito tempo. O sistema financeiro brasileiro é muito frágil?

- Existem sistemas que precisam ser aperfeiçoados. Quando se quebra o sigilo bancário de alguém, por exemplo, não se sabe quantas contas essa pessoa tem no Brasil. O Banco Central dispara a informação da quebra do sigilo e depende das instituições financeiras confirmarem se aquela pessoa física ou jurídica tem conta e se esta é ativa ou inativa. O problema é que são quase 4 mil instituições financeiras existentes no país.

- O Banco Central foi relapso?

- No caso do Marcos Valério, o Banco Central tinha conhecimento desses empréstimos desde 2003. Um diretor e técnicos da instituição foram à CPI e explicaram que não havia nenhum risco e que só depois da abertura da comissão houve a reclassificação do risco desses empréstimos.

- E o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)?

- Os saques em dinheiro nos caixas do Banco Rural realizados a partir de 2003 só vieram a ser detectados quase 14 ou 15 meses depois das operações. Ou seja, há sinais de que algumas coisas não estão sendo eficientes no sistema de prevenção. Além disso, a Receita Federal tem acesso à movimentação de CPMF. Ela tem alguns critérios para quando a CPMF tem um valor alto ou desproporcional na comparação entre o movimento bancário e o faturamento da empresa. A Receita só foi abrir determinados procedimentos fiscais depois da instalação da CPI dos Correios.

- A crise ocorreria se o deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ) não denunciasse o esquema?

- Poderia acontecer por outras pessoas. O caso do Jefferson é a típica quebra do código de silêncio. Ele sabia parte do esquema e resolveu torná-lo público. Esse episódio revelou que, quando um fato desse vem a público, ninguém segura mais o processo de investigação.

- Houve conivência ou orientação por parte do governo para que se tentasse acobertar esses fatos?

- Não podemos generalizar e colocar todas essas instituições sob suspeição. O que temos objetivamente é que esse sistema falhou. O que chama a atenção é que são instituições que têm uma tradição e uma imagem de respeito no país.

- Quais seriam as soluções para as falhas do sistema financeiro?

- A esperteza e a malandragem às vezes são muito maiores do que qualquer possibilidade de prevenção. O Coaf deve ter mais acesso a informações e cooperar com o Banco Central e com a Receita. Além disso, o Banco Central tem dados bancários, mas não tem os fiscais. Com a Receita, ocorre o inverso.

- As indicações políticas favorecem esquemas de corrupção?

- Temos que entender que quando um partido vence uma eleição ganha para colocar em ação uma proposta que foi julgada nas urnas. Às vezes, há uma distorção e se faz disso um instrumento de barganha e ocorre vistas grossas . A questão não é a respeito do número de cargos comissionados, mas quais são os cargos.

- Mas nesse escândalo ficou claro que funcionários de carreira também se envolveram...

- O caso típico é o Maurício Marinho (ex-chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, flagrado recebendo propina). Mesmo com a indicação política, esses dirigentes precisam de algumas pessoas de dentro da corporação para saber como funciona determinado contrato, licitação ou esquema que permitam a utilização de recursos.

- O senhor está satisfeito com os resultados dos trabalhos da CPI?

- CPIs não prendem e não cassam. Sempre vai ter uma imagem de que faltou alguma coisa, um sentimento de frustração. O ritmo de investigação de uma CPI não é o mesmo de um processo criminal. Nunca vai se fechar uma história toda. Partindo do pressuposto que houve esse esquema de financiamento, é pouco provável que só os líderes que receberam os recursos e foram os intermediários são os responsáveis. Alguém recebeu na ponta final. Até agora, não temos essa lista completa. Mais uma vez precisamos que alguém quebre o código de silêncio para entregar o esquema.

- O senhor concorda com a avaliação de que, apesar de tudo, já foram feitos muitos avanços?

- Tudo o que já foi feito é positivo. Um presidente da Câmara renunciou, líderes renunciaram, dois deputados de grande importância de articulação com o presidente Lula (Roberto Jefferson e José Dirceu) foram cassados, existem mais de 70 procedimentos fiscais, quatro inquéritos policiais e ação civil pública do Ministério Público. No entanto, sempre vai dar um sentimento de frustração.

- O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) ainda não foi citado nos relatórios da CPI. Há acordo para limitar o alcance das investigações?

- Não se segura mais acordo. Se há conversa de dois hoje, no dia seguinte todo mundo está sabendo. Se há um acordo, ele está sendo muito bem feito e dele eu não participei. Se há um acordo, ele é muito mais de natureza tácita do que expressa. É o instinto de preservação (dos parlamentares).

- O senhor acha que o senador Azeredo constará do relatório final?

- Tem de constar todos os fatos. A minha parte eu passei para o relator da CPI, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). A reação do PT foi de buscar um troféu. Ou, como se fosse um jogo, tentar empatar. Mas não vai haver empate. O troféu o PT conseguiu, que foi o caso do Azeredo. Como já disse, se pegarem o general do PSDB, acertarão também o marechal do PT, que é o presidente Lula.

- Qual é o cenário que o senhor vê para as eleições do ano que vem?

- O PSDB passou a ser competitivo.

- Não era antes da crise?

- Há seis meses, quem poderia dizer que o presidente Lula não seria imbatível em 2006? É claro que ele continua sendo competitivo porque dificilmente um governo deixa de ter entre 25% e 30% de votos no primeiro turno. Mas, teve uma mudança de cenário. Hoje não se pode dizer que o presidente é imbatível.

- E em relação ao Legislativo?

- O Congresso terá de ter um papel de recuperação muito grande. A eleição promete ser acirrada. O presidente que assumir terá uma oposição pesada logo no primeiro dia do mandato e dificuldades de construir maioria.

- Roberto Jefferson disse que todos na Câmara sabiam do mensalão e que caixa 2 é regra na política brasileira. O senhor concorda?

- Não se pode generalizar. Não pratiquei caixa 2. Se amanhã tiver outro fato que demonstre o contrário, isso se volta contra mim. Foi o que aconteceu com o PT, que tinha o discurso de ser ético e os outros não. Não sabia do mensalão. E muita gente também não sabia disso.