Título: Corte de gás à Ucrânia afeta Europa
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Fonte: Jornal do Brasil, 02/01/2005, Internacional, p. A7

Em um embate político travestido de disputa de preços, a Rússia suspendeu ontem a venda de gás natural para a Ucrânia e reduziu a pressão nas linhas de transmissão que também levam metade dos suprimentos do combustível para a União Européia. O recurso é crucial em toda a região, que enfrenta uma das mais rigorosas ondas de frio dos últimos anos.

- A capacidade européia pode ficar limitada. Mas para a população e os serviços municipais da Ucrânia haverá gás - afirmou Eduard Zaniuk, porta-voz da empresa de gás Naftogaz.

A russa Gazprom havia dado à Ucrânia prazo até a meia-noite de sábado para aceitar o preço quatro vezes maior pelo gás russo, que responde por cerca de um terço do consumo do país de 48 milhões de pessoas.

A suspensão da venda ressaltou a tensão entre as duas ex-repúblicas soviéticas, reativada desde que o presidente ucraniano, Viktor Yushchenko - um líder de tendências ocidentais, que quer reduzir a influência de Moscou em Kiev - derrotou o candidato apoiado pela Rússia em uma disputada batalha eleitoral, há um ano. A crise do gás acontece enquanto a Ucrânia se prepara para eleições parlamentares, em março. Depois de uma crise ministerial, o bloco de Yushchenko vai enfrentar o desafio de vencer o partido de Viktor Yanukovych, derrotado no último pleito presidencial.

Mas apesar de ter cortado a exportação de gás para a Ucrânia, a Rússia sustenta que quem está criando caso é Kiev.

- As autoridades ucranianas conscientemente decidiram arruinar o processo de diálogo com o lado russo e usar o problema do gás para criar a imagem de um inimigo com o objetivo de manipular a situação política interna - afirmou o ministro de Relações Exteriores, Serguei Lavrov.

No sábado, o presidente Vladimir Putin ressaltou que a Ucrânia poderia continuar pagando o antigo preço de US$ 50 por 1.000 m³ durante o primeiro trimestre deste ano, mas somente se concordasse, até o fim do dia, em passar a desembolsar US$ 230 a partir do segundo trimestre.

O porta-voz da Gazprom, Sergei Kuprianov, disse que Kiev recusou a oferta - alegação que a Naftogaz negou ontem. Em um comunicado no site da empresa, afirma-se que foi enviado à Rússia, antes da meia-noite de sábado, ''o rascunho de um acordo que vislumbrava a mudança de preços de mercado depois do primeiro trimestre de 2006''.

Segundo a empresa estatal russa, a remarcação é necessária para regular com os preços do mercado mundial. A Ucrânia não é contra o preço de mercado, mas pede que o aumento seja gradativo. Na sexta-feira, Yushchenko defendeu que o máximo que o país pode pagar agora por 1.000 m³ de gás é US$ 80.

A Gazprom fornece cerca de metade do gás natural usado na UE e cerca de 80% deste total é enviado por gasodutos que cruzam a Ucrânia. O bloco está preocupado com a ameaça de que suas reservas sejam afetadas. Kuprianov, entretanto, ofereceu garantias de que ''a exportação de gás para a Europa continua, a todo vapor''.

Mas se for realmente uma manobra política, o corte do combustível pode custar mais caro do que os valores envolvidos no negócio. Problemas de suprimento na Europa podem minar a confiança na indústria de gás russa - um dos pilares econômicos do país - e manchar a presidência de Moscou no G-8, o grupo das oito nações mais ricas do mundo, que começou ontem. Por isso, a chancelaria se apressou em assegurar que está ''estritamente comprometida'' com a Europa.

''A responsabilidade por eventuais problemas para os países europeus causadas pelas ações de Kiev vai recair sobre a Ucrânia'', diz um comunicado.

No meio da briga, especialistas em energia da UE vão se reunir na quarta-feira para avaliar como o bloco deve reagir. Hungria e Polônia serão as primeiras a serem afetadas.

- Esperamos que as partes consigam uma conciliação muito em breve - estimou Mireille Thom, porta-voz da UE.

Andris Piebalgs, comissário energético da comunidade, tentou tranquilizar os europeus e assegurou, na semana passada, que o continente é capaz de lidar com uma interrupção temporária dos seus suprimentos de gás. Mas Burkhard Bergmann, chefe da distribuidora alemã E.On Ruhrgas, lembrou que as indústrias consumidoras poderão ser lesadas.

Na leitura do governo ucraniano, a negociação de trânsito de gás permite que Kiev desvie 15% do recurso que passa pelo país. Moscou sustenta que isso seria roubo.

Sem citar números, a Ucrânia afirmou que tem gás suficiente para mais algumas semanas, sem racionamento.