Título: ''Governo Lula criou revolta na população''
Autor: Lorenna Rodrigues
Fonte: Jornal do Brasil, 01/01/2006, Brasília, p. D3

O presidente da Federação do Comércio do Distrito Federal (Fecomércio), Adelmir Santana, nasceu em Nova York. Não, não foi na cidade norte-americana. ¿Nasci em Nova York, no Maranhão, que fica do lado de Califórnia¿, explica. Com o mesmo bom humor, Santana fala de números. Otimista, tira da crise política a explicação para o crescimento do comércio no Distrito Federal (que deve fechar o ano acima de 10%) em um ano de economia nacional combalida. ¿A crise trouxe mais pessoas para a cidade. O comércio melhora com essa população circulante¿. Prepara estudos e projeções para os próximos anos e sentencia: ¿A sobrevivência está ligada à eficiência. Existe espaço para todo mundo, mas terá continuidade quem investir no treinamento para o bom atendimento¿. Filiado ao PFL, é suplente do senador Paulo Octávio, para quem faz campanha ao governo do Distrito Federal. ¿Lembre-se que, se você votar nele para governador, vai estar me fazendo um senador¿, brinca. À frente da Fecomércio desde 2001 (foi reeleito em 2004), ele é vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio, conselheiro do Sebrae Nacional, do Conselho Nacional de Saúde, da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, além de administrar uma rede de drogarias. ¿Acredito muito na atividade associativa. Temos de estar perto dos colegas, que é quem mais conhece o negócio da gente, mais do que qualquer consultoria¿.

- As vendas no comércio do Distrito Federal registraram crescimento de 0,55% na semana que antecede o natal e 3,9% em novembro. Não é um índice muito pequeno?

- Levando em conta os índices nacionais, não é pouco, principalmente porque a base de comparação, que foi o ano de 2004, é muito alta. O importante é que esse índice representa crescimento. Nos 11 meses desse ano, o crescimento é de 15,6% o que é muito maior do que a média nacional.

- Porque o DF cresceu mais?

- A crise política manteve funcionando as instituições brasileiras, como o Congresso Nacional, que não trabalhou só terça-feira e quarta-feira, mas todos os dias da semana. Isso motivou a vinda de pessoas e a cidade teve uma efervescência de passeatas e manifestações. A inauguração do Centro de Convenções Ulysses Guimarães também contribui para isso. O comércio está relacionado com essa população circulante, a pessoa esquece a escova de dentes, o pente, vai em um restaurante, usa o transporte público, enfim, movimenta a cidade. Do ponto de vista econômico, nós atribuímos esse crescimento ao crédito consignado. Não temos estudos sobre o quanto foi injetado no DF, mas, desde que foram mais de R$ 31 milhões em todo o País, a fatia do DF deve ser representativa, já que aqui temos muitos servidores públicos. Estamos confiantes de que vamos encerrar 2005 com uma boa taxa de crescimento, acima dos 10%, comparada com uma base muito boa que foi 2004, quando o crescimento ficou em 9,8%.

- Mais de 5 mil novas empresas vieram para o DF neste ano. Como fazer para atrair os empresários? Existe alguma vocação na qual a unidade deveria investir mais?

- Brasília está atraindo principalmente os grandes varejistas. Estamos em uma cidade que tem renda per capita muito alta e com cenário positivo para os próximos anos, o que desperta o interesse dos grandes conglomerados, que são os que mais empregam. Uma indústria automobilística, por exemplo, emprega 300 pessoas, enquanto em um grande supermercados são 500 empregados. O que gera o emprego é o setor de comércio e serviços. Nossa vocação é essa, a de comércio e serviços, nunca vamos ser uma cidade com vocação industrial ou agrícola, até pela questão territorial. Acho que uma das coisas que vai despertar muito para Brasília é o turismo de eventos. Aqui você está perto do poder, tem a possibilidade de, por exemplo, em um evento médico, trazer o ministro da Saúde. As reservas no Centro de Convenções já vai até 2007. O turismo místico também é uma área que pode crescer. O turismo engloba mais de 50 setores, entre transporte, restaurantes e o comércio em geral.

- Recentemente, a Fecomércio lançou um estudo com cenários para os próximos anos, que prevê um crescimento maior das lojas do que da população e da renda. Quem vai sobreviver?

- A sobrevivência está ligada à eficiência. Existem nichos para todo o tipo de comércio, mas a continuidade está ligada à eficiência, ao treinamento para o bom atendimento, já que o consumidor está cada vez mais exigente. O foco deve estar na inovação e no uso de tecnologias de informação. Saber o que o cliente quer, o que agrega valor aos produtos, estar bem informado.

- Os micro e pequenos empresários do DF ainda esperam a equiparação dos tetos de faturamento do Simples Candango aos do Simples Federal. Que benefícios isso vai trazer para a economia local?

- O aumento do valor vai permitir que as empresas não fiquem impedidas de crescer, presas à valores antigos. Além disso, pessoas que estão na informalidade vão buscar a formalidade. A extensão dos valores é um sinal de que o governo está interessado na legalização dessas empresas. Isso fará com que aumente a arrecadação, ao contrário do que parece, porque aumenta o numero de empresas contribuindo.

- A Lei Geral das Micro e Pequenas empresas, que tramita no Congresso Nacional, também promete auxiliar nesse processo.

- A Lei Geral trata dos impostos federais, não oferecendo apenas vantagens tributárias, mas prevê a diminuição da burocracia, facilitando processos como o de abertura de empresas e do recolhimento. A carga tributária que incide sobre as empresas é excessiva, muito devido ao alto índice de informalidade, que faz com que poucos paguem e paguem muito, quando na realidade o ideal é que se fizesse uma reforma tributária que permitisse a ampliação da base para que muitos pagassem e muitos pagassem pouco. O governo tem suas necessidades e como tem poucas empresas que pagam, essas pagam muito. O caminho na minha visão, é a formalização de todos, criar mecanismos para que todos paguem, através de uma reforma tributária, que se discute há mais de 10 anos e que não sai, diminuir as questões burocráticas, porque hoje as empresas têm um custo enorme para acompanhar todos esses mecanismos de recolhimento. A reforma tem que vir acompanhada não só de redução de alíquotas, mas também de diminuição de burocracia, facilidades, para que haja diminuição desses custos.

- Os cortes na taxa básica de juros foram suficientes para dar fôlego ao mercado?

- A Selic ainda é uma excrescência. Acho que há uma forte intenção de manter a tendência de redução, mas sempre com um mecanismo muito conservador. Existe espaço para a redução com valores maiores, creio que, se o governo reduzisse um ou dois pontos, não acarretaria a evasão de capitais, porque no mundo inteiro ninguém paga essa taxa de juros que é paga no Brasil. Na verdade, parece que o país tem medo de crescer, porque a redução da taxa de juros significaria novos investimentos, novos negócios e a possibilidade de o País crescer com índices muito maiores do que o que se apresenta hoje. As taxas de juros elevadas têm evitado que haja um consumo mais acentuado, principalmente de bens mais duráveis. O cliente está habituado com as taxas de juro: se sai na TV que a Selic subiu, ele não compra.

- O brasileiro se preocupa com os juros ou só analisa se a prestação vai caber no orçamento?

- Antigamente, não havia o destaque que a imprensa dá hoje, por exemplo, para as reuniões do Copom [Conselho de Política Monetária]. A gente vê até nos transportes coletivos, na rua, as pessoas dizendo que a Selic aumentou sem saber nem o que isso significa. Tanto é que no passado ninguém comentava isso, fazia apenas contas para ver o tamanho da prestação. Alguns grupos ainda fazem isso, mas de um modo geral, a população está interessada nos juros, calcula a incidência nele sobre as parcelas, graças ao trabalho da imprensa, dos veículos de comunicação que falam nisso todo mês.

- Qual é a expectativa para o comércio em 2006?

- Por ser um ano eleitoral, 2006 vai ser um ano de grande aceleração nos serviços. A gente percebe que o governo federal começa a afrouxar um pouco a liberação de recursos. Haverá desenvolvimento também de algumas áreas da economia ligadas às campanhas eleitorais, como o setor gráfico, o setor de comunicações, mídia, eventos, os próprios cabos eleitorais, pessoas desempregadas que nesta época vão ter alguma receita e essa gente consome camiseta, brindes.

- Como o senhor vê o governo Lula até agora?

- Parece que o governo Lula começou a compreender uma coisa. Ele deu uma declaração de que o partido dele precisa assumir os erros. O presidente Lula sempre dizia que não sabia de nada, que não tomou conhecimento de nada, ele agora já admite que o partido dele está errando e que precisa corrigir os seus próprios erros. O governo Lula deveria aproveitar também esse período agora de recesso de fim de ano para ler os relatórios, por exemplo, da CPI dos Correios, que são 400 páginas, em que se admite a existência de mensalão e de outras coisas mais. Como ele disse que não compreendia nada, não sabe de nada, está na hora de aprender isso aí, talvez esse seja um ensinamento que ele possa tomar. O governo Lula criou uma espécie de revolta na população, porque havia muita expectativa em mudanças, uma nova forma de governar, de incorporação das pessoas menos favorecidas. E até agora não vi nada de realização. O programa Bolsa Família, que é comemorado pelo governo, é um programa assistencialista, de transferência de renda sem nenhum comprometimento. Acho que qualquer governo precisava dizer que tem menos gente se beneficiando do recebimento de esmolas, e não ter orgulho ao dizer que tem 8 milhões de famílias assistidas e que esse número vai passar para 11 milhões. Isso significa que está aumentando o número de miseráveis. O ideal é que esse número estivesse diminuindo e não aumentando. Não quero dizer com isso que os programas de transferência ou de complementação de renda não devam existir, mas isso tem que ser temporário.

- O senhor se candidatou a cargos eletivos duas vezes. Pretende sair candidato novamente nas próximas eleições?

- Gosto da política partidária, sou filiado ao PFL. Sou o primeiro suplente do senador Paulo Octávio e minha candidatura hoje é pelo governo. Lembre-se que, se você votar nele para governador, me fará um senador da República (risos). Na primeira eleição de Brasília fui candidato, mas nem fiz nem campanha. Na época eu tive mil e poucos votos. Fiquei como quinto suplente, mas só elegemos três. Estou nas atividades comerciais há 20 anos, e desde que comecei busquei foi o sindicato da minha categoria, do qual sou presidente hoje. Sempre estive focado na atividade representativa. Acredito muito na questão sociativa, não apenas no sindicalismo, mas em qualquer tipo de associação de classe que é quem mais conhece o negócio da gente, melhor do que qualquer consultor.