Título: Essa candidatura parece piada
Autor: AUGUSTO NUNES
Fonte: Jornal do Brasil, 03/01/2006, País, p. A2

Mandam os usos e costumes do Banco Interamericano de Desenvolvimento que a Vice-Presidência de Finanças e Administração seja ocupada por um brasileiro. Além do salário cinco estrelas, garante prestígio e poder ao premiado. Com o crachá que identifica o dono do gabinete, vem a caneta que nomeia o staff. Os escolhidos ficam durante três a cinco anos à sombra de contratos que estabelecem frondosas remunerações em dólares. É um cargo e tanto. Vago desde a saída do economista João Sayad, parecia destinado a Joaquim Levy, secretário do Tesouro Nacional. Estranhamente, Levy mudou de rota. E as preferências do Planalto foram transferidas para Luiz Awazu Pereira da Silva, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda desde 31 de março de 2004. Se der certo, terá sido uma manobra audaciosa.

"É como promover sargento a general", compara um funcionário do BID. Antes de incrustar-se na equipe de Palocci, Awazu era apenas um dos numerosos advisers da direção do Banco Mundial. Jogava nas divisões inferiores. Nessas instituições, o critério da sensatez recomenda que um adviser demore ao menos 15 anos para ocupar qualquer vice-presidência. Mas o Brasil gosta do avesso das coisas.

A ousadia da indicação é realçada por façanhas recentes do candidato. Em 6 de abril de 2004, uma semana depois da posse, decolou rumo a Paris e ali ficou nove dias. Brasileiro de nascimento, foi criado na França, tem dupla nacionalidade, sua mulher é francesa, os filhos também. A mãe e os irmãos moram lá. Ruim em português, é fluente no idioma de Rabelais. O compreensível apreço pela terra dos gauleses torna menos ilógicas certas maluquices.

Empenhado na matança da saudade, Awazy fez 22 viagens a Paris em 18 meses. Uma milhagem notável. Em um ano e meio, recolheu em diárias de US$ 300 uma bolada das boas: US$ 75 mil, ou US$ 4.200 por mês. As cifras informam que o figurão das finanças esteve longe do local de trabalho 15 dias a cada 30. É um viajante campeão, sob o generoso patrocínio do governo.

Qualquer ascensorista do Ministério da Fazenda sabe que Awazu chegou lá graças à amizade com o senador Aloizio Mercadante. Essa minúcia não aparece no detalhado currículo exibido no site oficial - uma coleção de exageros e mentiras. Os superlativos começam pelo Banco Mundial. Na versão do herói, ele foi "assessor do Economista Chefe e Consultor do Vice-Presidente de Desenvolvimento Econômico".

Não passou de mais um adviser entre os 32 assessores do chefão. Awazu também se proclama "Doutor em Economia". Falso. Limitou-se a um curso de Mestrado na França. Dura dois anos. São necessários cinco para que alguém vire doutor. Declara-se "Mestre em Filosofia pela Universidade de Paris, Sorbonne". Fantasia.

De 1996 a 1999, jura o site, Awazu teria sido "Diretor do Departamento de Análise Econômica e Risco País do Export-Import Bank do Japão". Falso. O adviser do Banco Mundial foi cedido ("seconded", em inglês) ao Eximbank japonês para ajudar em pesquisas. Só.

Um doutor e mestre (fora o resto) não deixaria de brilhar nas estantes. Awazu reivindica a autoria de duas obras com títulos imponentes. Uma delas: The Impact of Economic Policies on Poverty and Income Distribution: Evaluation Techniques and Tools. Como o outro, , trata-se de um texto produzido a muitas mãos, monitoradas por especialistas. Awazu foi pesquisador assistente. É a bordo dessas proezas delirantes que viaja rumo ao BID. Parece piada. Não é.

Lula deve estar aborrecido com a entidade internacional. Pretende puni-la com um Awazu.