Título: Governo acelera resgate da História
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Fonte: Jornal do Brasil, 03/01/2006, Internacional, p. A6

Enquanto no Brasil ainda é tabu investigar e punir os responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura militar, a Argentina e o Chile mostram que é possível acelerar processos de depuração histórica que avançam, sem traumas, com o endosso dos atuais governos. Segundo balanço da Procuradoria Geral argentina e do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), divulgado ontem, 503 torturadores - dos quais 204 condenados, entre eles sete militares da ativa - enfrentam um total de 1.004 processos penais. A expectativa é que os julgamentos avancem a partir de março deste ano, depois que o presidente Néstor Kirchner autorizou a contratação de 30 advogados e a doação de US$ 1,3 milhão para gastos com os procedimentos judiciais.

Os processos foram impulsionados sobretudo depois que a Suprema Corte de Justiça declarou inconstitucionais, em junho passado, as leis de Ponto Final e Obediência Devida, que permitiram que centenas de torturadores fossem absolvidos nos anos 80. Em 2005, foram registrados 82 novos detidos em relação ao ano anterior, passando de 122 a 204. Esse número aumentou, inclusive, devido à suspensão de decisões judiciais que, anteriormente, libertaram os acusados. Entre as processos aguardados para avançar este ano está o do ex-capitão de corveta Alfredo Astiz - o Anjo Louro - e de outros nove militares, por crimes cometidos na Escola Mecânica da Marinha (Esma), o maior centro de tortura da época.

Dos 503 acusados, 201 são do Exército, entre eles os dois últimos generais. A maioria dos 204 detidos é acusada pelo seqüestro de filhos de desaparecidos durante o regime militar, como o ex-ditador Jorge Videla e o torturador Julio Héctor Simón, conhecido como ''El Turco Julian'', denunciado por seqüestrar a filha de José Liborio Poblete e Gertrudis Hlaczik, segundo o relatório do CELS. Este, provavelmente, será o primeiro caso a ser levado a audiência em 2006.

Os processos do interior do país são os que enfrentam maiores dificuldades para avançar devido aos juízes locais. A reforma de 1992, que iniciou uma renovação do quadro do Poder Judicial na capital, não teve o mesmo impacto nas províncias, que, em muitos casos, continuam controladas por profissionais atuantes durante a ditadura.

As famílias das vítimas estão preocupadas, no entanto, com os demais acusados - por desaparecimento de opositores e homicídios - que, por ainda não terem sido condenados, estão em condições de conseguir liberdade. Vários processos foram adiados, segundo o documento, sob alegação de que os réus encontram-se ''abalados''. Cerca de 30 mil opositores desapareceram durante o regime militar, segundo entidades humanitárias.

No Chile, em meados do ano passado, o Exército assumiu publicamente as responsabilidades pela violação dos direitos humanos na era Pinochet.