Título: E o contraditório? Quando irá ao ar?
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 03/01/2006, Outras Opiniões, p. A13

A entrevista que a TV Globo realizou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva impõe comentários preliminares, antes de qualquer avaliação a respeito do conteúdo. De pronto, pelo inquestionável privilégio. Ficou comprovado não terem Lula e o PT a mínima razão para insistir no cantochão sobre a má vontade da mídia em relação ao governo. Não ocorreu nada de extraordinário - uma questão nacional relevante e urgente - que justificasse tamanho destaque. Por via de conseqüência, não há como ocultar a curiosidade sobre a razão de tal entrevista, com tempo injustificadamente longo para as normas técnicas da emissora e do programa. Pois é facilmente constatável não haver pronunciamento do presidente que não mereça da Globo, sem qualquer avaliação crítica, ampla repercussão ao longo de todo o dia, na tv aberta ou nos noticiários da tv a cabo.

Por último, vale sugerir, para eliminação de suspeitas sobre interesses escusos, na concretização da agenda laudatória, concessão de espaço semelhante aos demais prováveis nomes da campanha presidencial já em curso. José Serra ou Geraldo Alckmin, pelo PSDB; Anthony Garotinho, pelo PMDB, e Heloisa Helena, pelo P-Sol, teriam direito a dividir tempo semelhante - 37 minutos - ao concedido à auto-louvação do chefe de governo. O direito ao contraditório é o mínimo a considerar, a valer o respeito à liberdade de informação e a afirmação de que vivemos num sistema democrático. Se não for pelo estabelecido no âmbito das normas internas de atenção à divergência de pontos de vista, inerentes a qualquer jornalismo comprometido com a honestidade e a transparência, vale recordar que televisão é uma concessão de serviço público. Concessão, portanto, do conjunto da cidadania - tanto dos que apóiam quanto dos que não se alinham com a política de governo.

Aclarada a preliminar, vamos ao grão, tratando do que foi perguntado e do que foi respondido.

Por parte do entrevistador, Pedro Bial, tirando a preconceituosa e equivocada tomada de posição quanto à ''ausência de reforma sindical e trabalhista'' como razão dos problemas econômico-sociais que o povo brasileiro vive, foi digno. Não se permitiu servir de ''escada'' para divulgação do que interessava ao entrevistado. Uma pergunta importante, no entanto, faltou. Quando o presidente faz proclamação dos ''ganhos sociais'' possíveis de alcançar, cabe sempre questioná-lo sobre como se sente diante do fato de terem os banqueiros obtido recordes mundiais de lucro e rentabilidade, exatamente em seu governo, a despeito dos medíocres índices de crescimento e distribuição de renda até agora registrados.

Quanto à intervenção do presidente, apenas uma seqüência de exageros auto-promocionais, para além de expressões desgastadas pela repetição e a absoluta falta de compromisso com a verdade e até com a obviedade. Dizer que a reeleição não se constitui prioridade é chamar o espectador médio de idiota. Não há uma linha de noticiário político diário que não se refira à constante preocupação dos luminares do Planalto com a composição da base de alianças para o processo eleitoral de 2006.

Sobre a crise moral, e o absoluto desconhecimento, por parte do presidente, das ilegalidades que ocorriam à sua volta, ''qualquer um do povo'' sabe que nem a primeira-dama acredita ser possível. Ou pela proximidade da presença constante dos personagens mais suspeitos nos churrascos privados da Granja do Torto. Afirmar-se ''traído por companheiros que fizeram práticas não condizentes com a história do PT'', sem dizer a quem se referia concretamente, nos coloca diante de uma inaceitável ingenuidade. Ou de uma previsível ''ocultação de cadáver''. A escolher.

Fica, para a conclusão, a questão principal - o crescimento econômico. Lula tem o direito de anunciar qualquer cenário otimista para 2006. Só não pode ser irresponsável. O próprio BC informou recentemente: não vamos chegar a 3% em 2005, e valham-nos o céus se alcançarmos ridículos 4% neste ano. O Ipea já se contenta com uma previsão de apenas 3,5%. E o presidente afirma que entramos no ano da ''colheita''?

Colheita pode vir é de uma possível e benfazeja surpresa no próximo pleito. Com a população elegendo, a despeito do massacre sobre a inevitável polarização entre o seis e o meia-dúzia; ou seja, entre o PSDB e o PT, uma alternativa aglutinadora das forças progressistas e democráticas que inicie, corajosamente, um processo de real transformação social do país.