Título: Um ano mortal para os jornalistas
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 04/01/2006, Internacional, p. A7

Um diplomata do Itamaraty, ao ser cobrado por um repórter pela demora em assistir in loco a situação dos brasileiros apanhados em uma das várias tragédias naturais de 2005, saiu-se com a seguinte resposta:

- Não tenho de ir lá. Ser jornalista é exercer uma profissão de risco, diplomatas não fazem isso.

Mais do que nunca, o relatório anual da ONG Repórteres Sem Fronteira, divulgado hoje em Paris, confirma a perspectiva do burocrata sobre aqueles para quem a liberdade de expressão é dever de ofício. Computando fatalidades, ameaças e prisões, 2005 foi o ano mais letal em uma década, com 63 mortos, contra 53 em 2004 e 64 em 1995 (desses, 22 perderam a vida na Argélia).

Pelo terceiro ano seguido, o Iraque desponta como o local mais perigoso, responsável pela morte de 24 dos 63 profissionais - já são 76 desde o início da invasão, em março de 2003. O número supera o de baixas na Guerra do Vietnã.

Segundo o Repórteres sem Fronteira, as ações da guerrilha foram as responsáveis pela maioria das mortes, embora três sejam atribuídas a americanos. A insurgência de Abu Musab Al Zarqawi vê a imprensa como uma ameaça num califado islâmico. O segundo posto ficou com as Filipinas, mas o Líbano mereceu atenção especial pela execução de dois editores Samir Kassir e Gebran Tueni, (com posições anti Síria). A jornalista May Chidiac ficou mutilada num atentado, por razão idêntica. O Brasil aparece na lista com um caso.

A pressão não é vista só nos mortos. No ano passado, 807 profissionais foram presos, 1.308 sofreram agressões e 1.006 veículos foram censurados. Os números estão perto dos de 2004 (907 presos, 1.146 atacados), com exceção da censura, que fechou 622 veículos, a maior parte no Nepal.

Em geral, as causas dos ataques aos jornalistas envolvem políticos, empresários e personalidades de destaque nos países, além do tráfico de drogas - como no México. A violência política é um fator de destaque em países não-democráticos, como o Egito e o Azerbaijão. No primeiro, a cobertura das eleições presidenciais - com denúncias de irregularidades - foi maciçamente reprimida. No segundo, sofreram os profissionais encarregados de relatar o ataque de soldados do governo a opositores.

No âmbito das prisões, a liderança é da China, com 32. Depois vem Cuba, com 24. Em Havana, 20 dos 27 jornalistas presos em 2003 seguem cumprindo penas de 14 a 27 anos. Quatro outros foram detidos no ano passado e dois aguardam julgamento. O caso mais dramático, porém, é o de Burma, onde a junta militar mantém o editor e militante democrata Win Tin, o mais conhecido do país, há 17 anos enjaulado.