Título: Os equívocos sangrentos
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 06/01/2006, País, p. A2

Ainda que sobreviva, Ariel Sharon não mais estará à frente do Estado de Israel. Ele foi, desde a adolescência, dos mais audazes combatentes sionistas e inimigo cruel do povo palestino. Seu desaparecimento da cena política - mais do que a morte do igualmente tenaz Yasser Arafat - tanto pode levar ao entendimento entre os dois povos, quanto apressar desenlace bélico, no qual israelenses ou palestinos terão que sair do território, deixando-o aos vencedores. A história do Estado de Israel é, como a própria história dos judeus da Diáspora, a crônica de grandes e sangrentos equívocos. Um deles se refere à evolução histórica dos grupos humanos a que se dá o nome genérico de "povo judeu". Segundo investigações históricas de Arthur Koestler, resumidas em livro que teve escassa divulgação, The Thirteenth Tribe (editado agora no Brasil sob o título de Os khazares, a 13ª tribo e as origens do judaísmo moderno), os judeus da Europa Central e Oriental - os ashkenazim - não são etnicamente hebreus: procedem de um povo das encostas do Cáucaso, os khazares. Etnicamente, judeus seriam apenas os sefaradis, que historicamente habitavam a Palestina e, com a Diáspora, em grande parte se transferiram para a Península Ibérica. Aceitando-se a tese, contestada pelos meios oficiais de Israel, Hitler não matou só semitas, mas também caucasianos; e esses caucasianos, hoje, matam semitas, em nome do sionismo. Se assim foi - e a obra de Koestler é baseada em documentação convincente -, essa terá sido a maior e mais dramática manipulação da História. O escritor húngaro conclui, também, que não se pode falar em raça, mais ainda quando se trata dos judeus. Eles seriam tão miscigenados como quaisquer outros povos. Não há critérios morfológicos que os possam identificar, não obstante o esforço de pseudocientistas. Conforme os mais recentes estudos, os judeus se assemelham aos povos com os quais convivem, e, mais do que antes, não é tão seguro o critério de que judeu é o filho de mãe judia, a menos que se trate da identificação religiosa, e não genética.

Outro grande equívoco foi o da ocupação da Palestina por esses judeus da Europa: se eles buscavam seu lar histórico, esse lar não estava exatamente na Palestina, e sim no antigo território khazar, nas encostas do Cáucaso, entre o Mar Negro e o Cáspio. Segundo a investigação de Koestler, esse povo, antes pagão, converteu-se ao judaísmo provavelmente no século 8, a fim de colocar-se acima e à margem do conflito entre muçulmanos e cristãos, iniciados com o desembarque islâmico na Andaluzia. Com as guerras freqüentes na região do Cáucaso, os khazares se distribuíram pelos países vizinhos.

A decisão da ONU, de entregar parcela do território palestino à soberania do novo Estado, foi outro erro. Se os judeus mereciam reparação, depois do terrível holocausto, que atingiu tanto os ashkenazim quanto os sefaradis, quem deveria pagá-la deveriam ser os alemães, não os palestinos. Outro engano trágico foi o da açodada reação árabe à presença dos judeus. A inferioridade bélica era flagrante, tendo em vista o apoio das grandes potências aos invasores, e deveriam preparar-se para a resistência militar. As derrotas muçulmanas estimularam a arrogância dos vencedores, e o terrorismo foi e continua sendo a arma dos dois lados.

A imprensa ocidental narra sempre os atentados dos palestinos, e muito pouco do terrorismo judaico. Sharon se formou nas brigadas terroristas do Haganah, em que se alistou aos 17 anos, em 1945. Em 1953, arrasou a localidade de Quibia, assassinando friamente 69 pessoas. Mas o seu grande êxito foi com mãos alheias. Em 16 de setembro de 1982, como comandante das forças de Israel, interveio no conflito interno do Líbano, autorizando a entrada das falanges de extrema direita nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, onde centenas de crianças, mulheres e velhos indefesos foram chacinados.

Sendo obra dos homens, a História é dominada pelos interesses dos fortes, que se aproveitam dos dissídios alheios, para estimular o ódio, como ocorreu tantas vezes no passado e volta a ocorrer no Oriente Médio.