Título: Sem o general, novas chances
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 06/01/2006, Internacional, p. A10
A saída de cena precipitada do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, em coma induzido desde ontem, depois de ter sido operado por sofrer um forte derrame cerebral, deixa um vazio na política israelense e a incerteza de como ficará o processo de paz com os palestinos. Por ironia do destino, no entanto, a maioria dos analistas aposta que o fim da vida política do general, assim como a morte do líder árabe Yasser Arafat, pode viabilizar as negociações, hoje inexistentes, entre as duas partes.
O fim trágico da vida política de Sharon inaugura um período de instabilidade na política israelense, pelo menos até as eleições de 28 de março, quando um novo primeiro-ministro será escolhido. Até lá, dificilmente o conflito árabe-israelense sofrerá alterações. O período será de consolidação das forças internas e de disputa eleitoral. Se antes era fácil prever o futuro do país e das relações com os palestinos, já que o premier e seu novo partido, o Kadima, eram favoritos entre a opinião pública, agora, a cena política se redesenha.
Para Oren Yiftachel, professor de Política da Universidade Ben-Gurion, em Negev, Israel, a saída de Sharon é um choque, mas só em curto prazo:
- O impacto é imediato, mas em longo prazo a situação pode até melhorar, porque o primeiro-ministro não negociava - afirmou ao JB. - Sharon foi corajoso de fazer a retirada da Faixa de Gaza, mas não era um homem de paz, era senhor da guerra. Quando deu uma abertura para a paz, o fez unilateralmente, sem consultar os palestinos. Portanto, não acredito que sua saída ameace o processo, pelo contrário - acrescentou o israelense.
Para Yiftachel, independente de quem seja o sucessor de Sharon, as possibilidades de negociação aumentam:
- O próprio Sharon fortalecia o Hamas e outros grupos radicais palestinos ao escolher um caminho unilateral. Sem ele, é possível que o apoio aos extremistas diminua.
O palestino Mouim Rabbani, analista político, concorda que a saída de Sharon abre novas oportunidades, mas não necessariamente otimistas, ressalta:
- Ele era um obstáculo às negociações. Neste sentido, o próximo governo pode ajudar. O importante agora é saber como a comunidade internacional vai reagir a essa abertura. O melhor seria que desse garantias ao governo israelense e pressionasse pelo processo de paz - avaliou, de Israel.
O negociador palestino Saeb Erekat, que lamentou a saúde do premier, já mostrou disposição para o diálogo:
- Todos nós somos seres humanos e lamentamos o estado de Sharon. Vamos, certamente, negociar com qualquer um que esteja à frente do governo - declarou. - Não estamos querendo dizer a eles quem deve assumir as negociações em Israel. Mas é fato que quando alguém espirra lá, os palestinos imediatamente ficam resfriados.
Há quem aposte, no entanto, que o grande apoio ao líder carismático vai fazer com que a política de unilateralismo avance no próximo governo. Robert Blecher, editor do Middle East Report, crê que as próximas lideranças seguirão a mesma linha:
- A maioria dos israelenses apóia a postura unilateral de Sharon. Por isso, acho difícil esperar negociações - disse, de Washington. - Essa é uma crise e toda crise abre oportunidades. Mas é preciso deixar que a situação política se estabilize antes de se falar em mudanças - completou.
Se há um consenso entre os analistas é que sem o general, o Kadima, partido de centro que criou em novembro de 2005, perde forças e corre o risco de desaparecer. A agremiação, que reuniu políticos e eleitores que deixaram os tradicionais Likud, de direita, e o Trabalhista, de esquerda, foi construída em torno de Sharon e, sem ele, não sobrevive, apostam os especialistas.
- Seu estado de saúde vai levar o partido junto. A opinião pública não confia no Kadima sem Sharon. É um partido sem estrutura e o principal perdedor dessa situação - declarou, de Israel, o palestino Samir Awad, professor de Ciências Políticas da Universidade Birzeit, para quem o país e o mundo absorverão a morte do primeiro-ministro rapidamente.
A tendência é que a disputa política volte a ser bipolar, entre o Likud e os trabalhistas. As apostas para o chefe de governo, no entanto, favorecem a direita. O próprio vice-primeiro-ministro, que assumiu o cargo interinamente, Ehud Olmert, está cotado, e Benjamin Netanyahu, liderança direitista, sai fortalecido com a debilitação de Sharon.
A hospitalização do primeiro-ministro mobilizou líderes em todo o mundo. O presidente francês, Jacques Chirac, afirmou esperar que ''as iniciativas corajosas de Sharon, comemoradas por toda a comunidade internacional, continuem'' no próximo governo.