Título: Um país em suspenso
Autor: Nathalia Watkins
Fonte: Jornal do Brasil, 06/01/2006, Internacional, p. A11

A cidade quase não dormiu. A tensão estava em cada casa, loja ou quiosque, todos com os noticiários ligados, acompanhando o drama do premier Ariel Sharon. Os acessos via internet à Reshet Bet, a mais popular rádio de Israel, ficaram congestionados. Flashes ao vivo entravam a todo momento na tevê. No centro de Jerusalém, sinais de fé, tristeza e, para alguns, felicidade, diante do fim da carreira política do premier. Muitas lojas não abriram, em um clima que reflete as incertezas com o futuro. Em frente ao hospital Hadassa, dezenas de jornalistas de vários países faziam vigília, aguardando a evolução do quadro de saúde do premier na UTI.

Os médicos dão como certo o fim da carreira política de Sharon, e acreditam que só um milagre pode recuperá-lo. Mas ainda há esperança. O general tão criticado tornou-se o fiel da balança da paz:

¿ Ele vai sair vivo, precisa sair vivo. Se há alguém que pode trazer a paz, é Sharon. Na época do Tanach (Bíblia), o Rei David foi o Messias dos judeus. Sharon é o Messias contemporâneo. Antes, eram os filisteus; agora, são os palestinos ¿ diz ao JB o engenheiro Henri Abush, perto do Muro das Lamentações.

Apesar de depositar sua fé em Sharon, Henri promete continuar votando no partido criado pelo premier, o Kadima (Adiante, em hebraico)

¿ Ele trouxe muita gente boa e precisamos continuar neste caminho ¿ acredita.

No principal centro comercial da cidade, a rua Ben Yehuda, o ambiente entre os comerciantes era de receio, apesar de o ministro da Segurança, Shaul Mofaz, ter assegurado que não há razão para medo. Natan Katz, 76 anos, dono de uma loja de fotografia desde 1968, teme que a incerteza política traga de volta a violência que conheceu.

¿ Em frente à minha loja e em outros dois pontos perto daqui há placas em lembrança dos mortos pelo terrorismo. O medo afasta turistas e israelenses, sei como é isso. Os últimos meses estavam tranqüilos e o mercado se aqueceu. O plano de Sharon estava dando certo ¿ analisa.

Ao contrário do engenheiro Abush, Katz não crê na sobrevivência do Kadima, legenda criada à feição do premier, sem a figura poderosa de Sharon.

¿ Vai haver um retorno em massa ao Likud ¿ prevê.

Outro comerciante da região também se entristece, mas não perde a esperança.

¿ Se todos ficarem unidos no partido, Olmert (o novo premier) vai seguir com o processo de paz. Pode demorar para colocar tudo nos eixos, mas ele consegue. O que vale é o ideal ¿ avalia o joalheiro Rafi Fintsy.

Se o sentimento dos israelenses reflete o vácuo deixado pela saída do seu principal representante, entre os árabes da cidade, a situação é diferente. Há quem não disfarce a alegria:

¿ Estou realmente contente. Que não demore a morrer. Ele fez da Faixa de Gaza um zoológico, nos cercou e continua entrando e saindo quando quer. Só (Ytzhak) Rabin queria ceder, Sharon só quer matar ¿ acusa um taxista palestino de 25 anos, que preferiu não revelar o nome.

Na feira da Cidade Velha, as lojas de judeus abriram tarde.

¿ Estão todos rezando por Sharon ¿ comentou um árabe, sem poder vender produtos.

Um jornalista árabe da Radio Reshet Bet definiu, reconhecendo o papel político que o premier representa, seja para judeus, seja para os árabes:

¿ A situação é difícil, mas devemos admitir que Sharon passou de homem da guerra a homem da paz.