Título: Humor econômico
Autor: Paulo Nogueira Batista Jr.
Fonte: Jornal do Brasil, 06/01/2006, Outras Opiniões, p. A15

Mark Twain dizia: reúna os fatos e, depois, os distorça à vontade. Ótimo. Mas, leitor, convenhamos, ele era um ficcionista, e não um simples economista. Como se sabe, imaginação nunca foi o nosso forte. Portanto, nesta coluna só entram fatos reais.

Parece difícil de acreditar? Talvez seja. O problema é que as pessoas nem sempre estão atentas para o lado cômico ou dramático do cotidiano. Do nosso cotidiano pessoal e do cotidiano econômico e político. Em outras palavras: é perfeitamente possível tirar leite de pedra sem fantasiar os fatos.

Bem sei que, como lembrava Nietzsche, ''não há fatos, só interpretações''. Mas não vamos complicar o óbvio. Um exemplo: há tempos, escrevi na Folha de S.Paulo sobre um sobrinho que ingressou brilhantemente nas fileiras de um prestigiado banco de investimentos em São Paulo. O rapaz se converteu com rapidez fulminante à sabedoria econômica convencional. Foi medonho. Antes, o referido sobrinho era um crítico exaltado e insistente (até enfadonho) das ''elites oligárquicas''. Hoje, defende vigorosamente a política de juros do Banco Central. Em resumo, acabou o meu sossego. Agora, não tenho mais tranqüilidade nem nos almoços de família.

Uma amiga chegou a perguntar: ''É ficção? Ou o tal sobrinho existe mesmo?''. Existe, realmente existe. Os leitores que me deram a satisfação de comparecer ao lançamento do meu último livro, em São Paulo, puderam apalpá-lo, farejá-lo e até pedir-lhe dinheiro emprestado.

Outro exemplo: aqui mesmo no JB escrevi recentemente sobre um aspecto estritamente folclórico da política monetária. Vale uma breve reprise. A política de juros do Banco Central tem sido dominada por um economista doutrinário, que aplica a ferro e fogo o modelo de metas para a inflação. Por obra sua, em grande medida, os juros nacionais não encontram paralelo no mundo estatisticamente mapeado. Se os brasileiros não entendem essa política, os estrangeiros menos ainda. Gabriel Palma, um economista da Universidade de Cambridge, chegou a qualificar a política monetária brasileira de ''histérica'' e ''suicida''.

Os demais membros do famigerado Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) não conseguem resistir à ferocidade dogmática desse economista. Agora o aspecto folclórico: trata-se paradoxalmente de um gordo, um gordo de notável circunferência. Ora, como lembrava Nelson Rodrigues, as banhas predispõem aos afetos, aos aconchegos, às conciliações. Nesse caso, não. Ao contrário, o gordo em questão é rigorosamente inflexível, sempre disposto a tudo sacrificar no altar do combate à inflação.

Alguns leitores me escreveram indignados. Acusaram-me de estar acertando contas pessoais. Nada disso. Nem conheço o tal economista. Em verdade, vos digo: nunca o vi mais gordo.

O economista, principalmente o economista brasileiro, não pode abrir mão do humor e até do deboche. Vociferar contra as irracionalidades do poder econômico e político nunca será eficaz. E pode ser o caminho mais rápido para o hospício.

Se quisermos conservar o que nos resta de sanidade mental, temos que estar sempre alertas para o lado infinitamente ridículo do poder econômico e do comportamento dos seus fiéis servidores.

Paulo Nogueira Batista Jr. (pnbjr@attglobal.net) é professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e autor do livro O Brasil e a economia internacional: recuperação e defesa da autonomia nacional (Campus/Elsevier, 2005). Escreve nesta página às sextas-feiras, a cada 15 dias.