Título: Segredos ainda guardados
Autor: Sergio Duran
Fonte: Jornal do Brasil, 08/01/2006, País, p. A7
A ex-militante da ALN, Iara Xavier, teve seu primeiro marido e os dois únicos irmãos, Alex de Paula Xavier Pereira e Iuri Xavier Pereira, assassinados em condições ainda não reveladas. Das 1.049 ossadas encontradas no cemitério de Perus, em São Paulo, apenas 5 foram identificadas. Alex era um deles. Seu ex-marido ainda não foi encontrado. Iara foi uma entre muitos que fizeram da última semana uma das mais agitadas do Arquivo Nacional de Brasília em busca dos arquivos da ditadura. Após preencher requerimento de consulta foi informada que não há prazo para ver seus documentos.
O saldo da primeira semana, depois de dado acesso público aos arquivos transferidos em dezembro do Serviço Brasileiro de Inteligência (Abin), é de frustração. Dificuldade de acesso e falta de estrutura são alguns dos problemas. Embora alardeada pelo governo, a abertura acumula críticas de parentes de desaparecidos até sobre o conteúdo dos arquivos.
Iara ainda não foi informada que existe uma fila de mais de 500 solicitações de acesso aos arquivos. Antes elas eram feitas à Abin e foram automaticamente transferidas para o Arquivo Nacional. A sede no Rio, desde o dia 23, guarda os documentos originais, porém, não é permitido o acesso por determinação da Casa Civil.
O acesso aos documentos na Abin era feito através de um recurso constitucional, o habeas data, que assegurava o acesso às informações a familiares de vítimas. Iara chegou a obter informações através desses documentos - ''triados por agentes'', segundo ela - antes de serem liberados, mas os considerou ''insuficientes''. Ela quer que os arquivos mostrem, além de nomes, indícios de locais onde corpos foram enterrados e as circunstâncias das mortes.
- Alex foi enterrado com uma certidão de óbito falsa, o que é crime. Quero tudo de A a Z, da página um a mil, se existir. Quero saber como começou e como terminou tudo - afirma.
No Arquivo Nacional, o acesso aos documentos é feito desde terça-feira, através de uma intrincada burocracia. Os interessados devem preencher uma ficha: ou através do site (www.arquivonacional.gov.br), ou em visita ao local. O acesso não é imediato. Após o pedido são levantadas as informações por técnicos e uma nova data é marcada para a consulta efetiva.
Com a transferência dos arquivos do Serviço Nacional de Informações (SNI), do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e da Comissão Geral de Investigação (CGI) a Abin se livrou da papelada. Um agente do órgão, que pediu para não se identificar, contou que a Abin empregava ''funcionários para a emissão de certidões, o que não correspondia à função dos agentes''. Segundo ele, um pedido de consulta aos arquivos ficava pronto em 15 dias, o que dá uma idéia da demora que pode levar para levantar as informações, além da fila de espera.
Mais de 10 mil habeas data foram emitidos pela Abin desde 1989. Segundo o agente, quem já recebeu o habeas data e pedir informações ao Arquivo Nacional vai receber exatamente o mesmo relatório.
Esse era o temor do ex-militante do PCB-R, dissidência armada do Partido Comunista, Antônio Soares Filho, que também não ficou satisfeito com os dados recebidos em consulta à Abin. Empenhado em colher evidências de desaparecidos, Antônio passou os últimos anos pesquisando arquivos públicos onde constam documentos liberados dos antigos DOPS.
O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) também teme a falta de informações consistentes:
- São abertos documentos da polícia política. É possível que as informações sejam idênticas às solicitadas antes na Abin. Faltam relatos das operações em posse das forças armadas.
A Casa Civil liderada pela ministra Dilma Roussef, ex-guerrilheira política, admitiu a dificuldade de emissão dos documentos. O espaço físico ainda é arrumado e o pessoal está sendo treinado. Outra promessa, a digitalização, ainda não tem prazo para acontecer. ''É uma dificuldade natural. Há um esforço para colocarmos os documentos imediatamente à disposição'', informa a assessoria.
(Colaborou Renata Moura)