Título: Adeus aos gigantes de 1948
Autor: Yoel Marcus
Fonte: Jornal do Brasil, 08/01/2006, Internacional, p. A14

Ariel Sharon esteve presente em cada decisão importante e sensível nas crônicas do Estado israelense, mas não é preciso ser neurologista para ter certeza de que seu tempo passou. No entanto, em um sinal de renovação, desde quarta-feira há pessoas se registrando no partido que criou, o Kadima. Era como se estivessem dizendo ao líder: ''Adeus, gigantes de 1948. Vocês têm herdeiros''. (ano da criação do Estado de Israel) Os que queriam seu partido ainda estão aí. E o quadro diversificado de líderes que se concentravam em torno de Sharon poderá agora se juntar a Ehud Olmert, um político duro, que idealizou a desocupação com Sharon ou até antes dele. Olmert está apto para seguir de onde o general parou.

Enquanto soldado e estadista, Sharon foi amado e odiado, promovido e deposto. Um dia era ''rei de Israel'' e, no seguinte, ''um perigo para o Estado''. O homem que foi considerado inadequado para ser ministro da Defesa se transformou no ''pai da nação''. Passou por um processo similar ao de Moshen Dayan, outro membro do clube de 1948 que tendia a ver os árabes através da mira de suas armas. Ambos foram generais respeitados e se submeteram a mudanças dramáticas nas suas relações com os palestinos no final da vida.

Dayan lançou a idéia do processo de paz com o Egito e a plantou no cérebro do então primeiro-ministro Menachem Begin. Foi o primeiro a entender as limitações da força bruta e a necessidade de usar os territórios ocupados como moeda para comprar a paz.

Na época, Sharon era um falcão feroz, o construtor dos assentamentos, um mestre em algemar primeiros-ministros extremistas para seus próprios direitos, como Yitzhak Shamir.

A mudança no coração de Sharon começou quando ele escorregou para a cadeira de dirigente. Com o slogan ''você vê coisas daqui que não vê de lá'', passou por uma metamorfose surpreendente. É difícil apontar o momento exato de transição.

Uma hipótese comum é a de que, como general ilustre, começou a ver que Israel não tinha respostas ao terror, e, enquanto premier, indo e voltando para encontrar o presidente americano, George Bush, percebeu que o país não podia se excluir da família das nações. Teve medo que os Estados Unidos pudessem, algum dia, impor um acordo sobre Israel.

Também passou por um processo similar ao de Charles De Gaulle - general colocado de volta no poder para assegurar que os territórios (no caso, a Argélia) nas mãos da França fizessem o oposto do que os extremistas esperavam. Ordenou que um milhão de franceses voltassem para o país europeu.

Sharon foi eleito primeiro-ministro como o pai dos colonos. Mas, quando percebeu que não teria acordo sem um Estado palestino e concessões dolorosas, encontrou-se de frente para seus aliados, seu partido e a direita inteira.

A guerra dos seis dias de Sharon foi desocupar Gaza em seis dias. E o fez sem derramamento de sangue ou guerra civil. Fez com a determinação de um líder que percebeu que sem desocupar os territórios não poderíamos viver em paz e com segurança. O slogan ''só Sharon pode'' se tornou realidade.

Se os palestinos fossem mais espertos e organizados, teriam agarrado o que Sharon ofereceu. Mas, mesmo que odeie dizer isso, árabes são árabes. Se há uma oportunidade a se perder, eles a perdem. Os moderados podiam aprender uma coisa com Sharon: há momentos em que é necessário agir de acordo com a vontade da maioria, não com os fanáticos.

O premier não hesitou em sair do Likud e fundar um novo partido. Políticos que vêem o Kadima como espinhos tentarão reconquistar os milhares que seguiram Sharon. No entanto, o partido é produto das circunstâncias, e as circunstâncias não mudaram.