Título: Negociações na estaca zero
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 09/01/2006, Internacional, p. A7

Não bastasse o fim da carreira política do primeiro-ministro Ariel Sharon trazendo incerteza para o futuro do processo de paz no Oriente Médio pelo lado israelense, à medida que se aproximam as eleições legislativas palestinas, no próximo dia 25, o clima de insegurança também aumenta do lado árabe. Com o grupo radical Hamas prometendo levar boa parte das cadeiras do Parlamento, e a Autoridade Nacional Palestina (ANP) afundada em dívidas e em escândalos de corrupção, o presidente Mahmoud Abbas completa hoje um ano à frente do poder exatamente da forma como assumiu: na estaca zero das negociações políticas e com autoridade posta em cheque pelos extremistas.

Apesar de ter conseguido uma curta trégua dos grupos armados no ano passado, Abbas se mostra cada vez mais impotente frente à força dos radicais, à pobreza e à violência que não diminuíram nos territórios palestinos, como prometido durante sua campanha eleitoral. Entre os principais problemas de sua administração estão a falência da ANP - que este ano tem um déficit de US$ 900 milhões - e as divisões do Fatah (movimento político que lidera), resultante do choque de gerações dos membros que compõem a agremiação e das denúncias de favoritismo. O quadro fornece um terreno fértil para o Hamas, que concorre ao pleito deste mês com o slogan ''Mudança e Reforma''.

Em entrevista ao JB, o palestino Saeb Erekat, que lidera a equipe de negociação há mais de uma década, não acredita, no entanto, que o grupo extremista - que, segundo analistas, será representado por uma minoria forte no Parlamento - seja um empecilho para o processo de paz:

- O Hamas ganhará cadeiras no Parlamento, mas não impedirá a Autoridade Palestina de continuar apostando na negociação com Israel. As eleições não prejudicarão - defendeu.

Para Erekat, é cedo para dizer se a saída de Sharon é favorável ao diálogo. Mas diz esperar que o processo de paz se desenvolva de forma democrática, depois de estabilizado o cenário político no lado israelense:

- Queremos apenas que o futuro governo volte a negociar, porque do nosso lado sempre houve disposição para isso - afirmou. - Não adianta desocupar. Só a negociação pode trazer paz. É preciso retomá-la - acrescentou.

O negociador defendeu o presidente Abbas e lamentou que Israel não tenha colaborado com a ANP depois da sua eleição:

- Sharon não ajudou e não fez nada a favor de Abbas, o que leva muitos a pensar que o presidente não conseguiu avanços no âmbito político - observou.

Já a deputada Hanan Ashrawi, candidata à reeleição e nome expoente entre os negociadores palestinos, teme que o carisma de Sharon leve os israelenses a escolherem um governo que siga sua postura:

- Sharon é um líder muito forte em Israel e atuou de forma totalmente unilateral, ditando as condições do processo de paz. Por enquanto, é difícil especular se o próximo primeiro-ministro vai mudar a direção e voltar a negociar - disse, por telefone.

Se depender do Hamas - que diz ter se candidatado para ''proteger a resistência''- e de outros grupos radicais como a Jihad Islâmica, no entanto, o presidente Abbas terá ainda mais problemas:

- O Hamas será eleito com minoria, mas fará grande oposição às negociações, vai impor restrições ao diálogo com Israel. A ANP terá dificuldades, mas não deixará de negociar - avaliou, de Jerusalém, Azmi Bishara, membro do Parlamento israelense e líder da Assembléia Nacional Democrática, partido de cidadãos palestinos residentes em Israel.