Título: Revolta, descrença e algum alívio
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 09/01/2006, Internacional, p. A7

As vésperas da suspensão do coma induzido do primeiro ministro Ariel Sharon, os moradores palestinos de Israel não comemoram mais e nem demonstram estar ansiosos com o que pode acontecer ao político. Ele foi considerado o causador da nova intifada palestina - quando, em setembro de 2000, visitou a Esplanada das Mesquitas - e, consequentemente, da reação militar israelense. Seis anos depois, o premier é tido pelos árabes como um dos maiores inimigos da paz. Pelas ruas de Jerusalém, o desejo é de que continue no hospital e sofra pelo que fez aos árabes.

- Desde que nasci, escuto as barbaridades cometidas por Sharon. Lembro que meus pais escutavam pelo radio as noticias sobre o ataque ao Líbano. Agora vejo com meus próprios olhos a matança que faz. Nao há grandes esperanças com o futuro, porque todo governo israelense e igual - diz o palestino de 25 anos que se identifica como Iaad.

Para ele, tudo que o premier fez foi matar com pretexto de trazer a paz.

- Por isso não fico triste nem feliz com a morte de Sharon. Espero que, pelo menos, ele pague pelo que nos fez com a doença - completa o jovem, que acredita que Sharon é culpado, de alguma forma, pela morte do líder palestino Yasser Arafat.

Iaad defende uma solução radical para a paz, compartilhada por vários palestinos: a retirada dos judeus da região e seu retorno aos países de origem. Para o jovem, os passos para a paz que vinham sendo tomados por Sharon não servem.

- A retirada das colônias judaicas da Faixa de Gaza, por exemplo, é um teatro, uma jogada para melhorar a imagem de assassino que ele tem lá fora. Aqui, todos sabem que agora o cerco é feito de fora, os mísseis chegam onde Sharon bem entende. Os soldados entram, atiram e vão embora. Depois dizem pra imprensa que acertaram membros de grupos terroristas. Mentira.

Outras medidas tomadas pelo chefe de Estado tambem causam revolta e ódio nos árabes-israelenses, como o cerco ao quartel-general de Yasser Arafat em Ramala, o isolamento de cidades palestinas e a construção de um muro nos limites da Cisjordânia.

- O que ele fez, separar familias inteiras com uma parede, não é humano. O Muro de Berlim caiu e esse vai ruir tambem.

Iaad explica que mesmo sem um bloqueio de concreto, o exército israelense cria seus impedimentos. Para visitar seus pais em Hebron, a 35 km da capital, o jovem leva três horas de viagem por conta dos três postos de controle no caminho. Em condições normais a viagem demoraria menos de uma hora.

- O maior defeito de Sharon é pensar que é todo-poderoso e esquecer que Deus esta acima e vê tudo - afirma o comerciante Israk Kalil, de 40 anos.

Ele conta que todos os dias os palestinos são parados, humilhados e até espancados nos postos de segurança das forcas de Israel.

- Sharon pode ter sido um bom líder para os judeus, mas a nós só causou prejuízos. Matou e destruiu quanto pôde. Pena que não adianta falar, ninguém nos escuta.