Título: Baleias viram pivô de guerra
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 10/01/2006, Internacional, p. A6

Violência se amplia com caçadores japoneses e ambientalistas usando barcos como armas. Tóquio pressiona Austrália

Em algum ponto do Oceano Antártico, dezenas de homens se empenham em uma batalha com táticas dignas dos combates navais da II Guerra. A perseguição empreendida pelos barcos ambientalistas Artic Sunrise e Esperanza , do Greenpeace, e Farley Mowat , do Sea Sheperd, à flotilha de baleeiros japoneses se transformou em uma guerra. No domingo, os japoneses abalroaram o Artic propositadamente. Ontem, o comandante do Mowat , capitão Paul Watson, atingiu deliberadamente um barco de apoio, forçando-o a desistir de se unir à flotilha de cinco barcos. A perseguição é tradicional, mas nunca tinha sido tão agressiva, de parte a parte, como nessa temporada, iniciada no início do mês de dezembro. A irritação já é tão grande que Tóquio ameaça criar um incidente diplomático. O Instituto de Pesquisa de Cetáceos do Japão, que controla o programa ¿científico¿ de caça, tinha pedido à Austrália, que tem jurisdição sobre a área, o envio de um vaso de guerra para prender os ¿piratas¿. O requerimento foi ignorado. Ontem, o tom da exigência tornou-se mais enérgico e partiu da poderosa Agência de Pesca. Os australianos são os principais parceiros comerciais e aliados estratégicos do Japão e dessa vez a resposta foi um aflito e embaraçado pedido de calma a ambos os lados feito pelo ministro do meio-ambiente da Austrália, Ian Campbell.

A bordo do Mowat em algum ponto do Oceano Antártico, o comandante Paul Watson, um canadense de 55 anos, não parece preocupado com as ameaças, tanto dos baleeiros quanto de Melbourne. Com a voz calma e pausada, esse fundador do Greenpeace que se tornou dissidente, promete manter a agressividade que o faz conhecido.

¿ Está funcionando, eles têm apenas mais 14 dias para pescar e o tempo está acabando. Não devo desculpas a ninguém, são todos foras-da-lei ¿ explica Watson ao JB pelo telefone de satélite. ¿ Neste momento, os localizamos e os estamos perseguindo. Estão a 200 milhas náuticas da minha posição. É a terceira vez que isso acontece desde ontem.

A disposição de luta dos dois lados deixa marcas de combate em ambas as frotas. No Artic Sunrise a proa foi amassada pela pancada proposital dada pelo navio-fábrica Nissin Maru. Ninguém ficou ferido no choque, que ocorreu domingo. Os japoneses não negaram e se justificaram dizendo ter sido atingidos três vezes pela embarcação do Greenpeace antes. Ontem, num incidente mais violento, o barco do Sea Shepherd acertou a lateral do cargueiro Oriental Bluebird. O navio, com bandeira panamenha mas pertencente a uma empresa japonesa, levava combustível e víveres para a frota baleeira e retiraria a carga de carne de cetáceo beneficiada. Segundo Watson, foi forçado a retornar ao Japão sem o carregamento levando nas laterais a inscrição ¿Carne de baleia pescada em santuário¿. E escapou por pouco de ser posto a pique: o Farley Mowat é equipado com um pontão, uma espécie de `abridor de lata gigante¿, acoplado ao casco reforçado.

¿ Eu o acertei sim. Antes informei ao capitão que agia com a autoridade da Carta pela Natureza das Nações Unidas proibindo a caça no santuário da Antártica e o ordenei a se afastar. ¿ descreve Watson. ¿ Como se recusou, reforcei o recado atingindo-o na lateral de estibordo ¿ completou, acrescentando que não se registraram maiores danos, apenas um longo sulco no casco do cargueiro deixado pelo pontão do Mowat .

Como em todas as tentativas de abordagens desde o início da perseguição, o risco tem sido uma constante. No caso dos ambientalistas da organização Sea Shepherd, faz assumidamente parte do cotidiano ¿ não à toa, o Greenpeace os acusa de causar prejuízos à luta ambientalista, essencialmente associada à não-violência. É algo que Paul Watson simplesmente desdenha, tanto que, no domingo, tentou destruir as hélices do Nissin Maru usando cabos de aço, âncoras e cordas grossas, lançadas dos botes emparelhados ao navio. A idéia era fazê-las enroscar-se no eixo propulsor. Mas não deu certo.

¿ Não tenho nenhum contato com o Greenpeace e não me importo com o que dizem. Também não estou preocupado com os riscos para os japoneses. Eles são ilegais, estão agindo ilegalmente e devem responder por isso ¿ analisa o comandante, que antes de assumir a ponte do Mowat percorreu todos os mares do mundo a bordo de navios mercantes.