Título: Chávez 'reedita' Plano Cruzado
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Fonte: Jornal do Brasil, 11/01/2006, Internacional, p. A7

A decisão do presidente venezuelano, Hugo Chávez, de dobrar o preço que os produtores de café pagam pelos grãos aos fazendeiros irritou os beneficiadores do produto e levou à falta nos supermercados de todo o país. Por toda parte, no comércio, as prateleiras estão vazias e já se teme a escassez de outros alimentos básicos como leite e açúcar. A reação de Chávez foi imediata: ordenar à Guarda Nacional que recolha todo o café disponível, onde quer que estejam os estoques. A crise lembra um dos episódios mais conhecidos da história recente brasileira, quando, com o chamado Plano Cruzado em crise, em 1986, o governo determinou o confisco dos rebanhos bovinos nas fazendas. Chávez, que controla o preço final dos gêneros alimentícios básicos no país, elevou o valor da saca do grão em 100% no mês passado, depois de semanas de protestos dos fazendeiros, sem alterar o que é pago pelo consumidor no mercado. No meio do processo, comprando caro e obrigados a vender barato, ficaram as torrefações. A decisão, inicialmente aplaudida pelos mais pobres, fez com que as empresas se recusassem, na segunda-feira, a vender o produto. Como resposta à medida do presidente, os representantes do setor começaram a reter milhares de sacos de grãos não-processados.

Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, o produtor de café Eduardo Bianco comentou a decisão dos beneficiadores. Segundo ele, o ¿governo não pode esperar que vendamos nossos grãos enquanto se recusa a aumentar o preço do quilo do pó que se compra nas prateleiras dos mercados¿. Já o diretor da Associação Nacional de Café, Pedro Vicente Pérez, afirmou que ¿a medida afetou profundamente o setor secundário do comércio¿:

¿ Diante do aumento na matéria-prima, que não foi acompanhado de uma elevação do produto final, é natural a redução em níveis consideráveis da produção.

Depois que o café desapareceu dos supermercados e, posteriormente, das ruas, a Guarda Nacional foi autorizada fazer apreensões. Dois armazéns foram invadidos e dezenas de outros estão na lista do governo. O Instituto de Proteção ao Consumidor pretende distribuir 14 toneladas armazenadas à rede de mercados populares Mercal.

Chávez afirmou, em seu programa transmitido na tevê e no rádio, ¿Alô, presidente¿, que não toleraria a falta do produto:

¿ Instruí a Guarda Nacional a buscar o café que desapareceu, a achar cada quilo sumido. As forças de segurança têm permissão judicial para desapropriar o café. Venderemos a preços estabelecidos por nós.

O presidente disse ainda que poderia ¿ser forçado a nacionalizar a indústria cafeeira¿:

¿ Se não querem torrar o café nas indústrias que têm, tiraremos suas fábricas, nacionalizaremos as indústrias processadoras ¿ acrescentou.

Os donos de mercados em Caracas disseram que também estão sofrendo a falta de açúcar, carne de frango, leite e milho. Os administradores de depósitos atacadistas, preocupados, alegaram não estar recebendo produtos para estoque. Consumidores frustrados souberam que terão que economizar em casa até que o governo aumente o preço da revenda.

¿ Estou muito irritada ¿ disse Clara Fuentes, de 25 anos, mãe de duas crianças. ¿ Gastei as últimas três horas tentando achar um mercado que vendesse essas coisas. Desisti, depois de tentar seis locais ¿ acrescentou.

Alguns donos de bares de Caracas, por sua vez, disseram que ficarão sem seu produto principal nos próximos dias se o governo e os produtores não chegarem a um acordo. As queixas têm sido cada vez mais freqüentes quando os clientes descobrem que o expresso e o cappuccino serão suspensos.

¿ Venho aqui todo dia antes do trabalho. Do jeito que as coisas caminham com o café, o leite e o açúcar, podemos dar adeus ao nosso café com leite ¿ disse Julio Vivas, que trabalha em um banco na capital.