Título: Terra arrasada
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 11/01/2006, Opinião, p. A10

De tão descabido, soa ridículo. De tão inapropriado, beira o insuportável. Assim devem considerar as mentes sublinhadas pela sensatez, diante do projeto que sugere ampliar o número de vagas de deputados no Congresso. Dos 513 atuais parlamentares, a Câmara passaria a ter 541, a prevalecer a proposta de autoria do deputado Nicias Ribeiro (PSDB-PA). O argumento é de que a mudança contribuiria para corrigir distorções e equilibrar a representação dos estados na Câmara. Falso. A mesma correção poderia ser feita adotando trilha inversa: a redução do número de cadeiras. O saldo desalentador de custos e benefícios dos parlamentares brasileiros sugere que o país não suporta mais o tamanho atual do Congresso. Além dos 513 deputados, alimentam-se da horta dos benefícios e casuísmos descarados 81 senadores - todos com direito a uma interminável galeria de mordomias, de onde saem benefícios como auxílio-paletó, auxílio-moradia e passagens aéreas para os fins de semana nos estados.

A Viúva não regateia migalhas. Nem se espera que faça isso com homens públicos e servidores, cujas funções requerem remuneração compatível e exigem recursos suficientes para tanto. Mas os limites da sensatez devem ser definidos.

Não é exagero reconhecer a irrelevância de pelo menos um terço dos deputados e senadores. Os dispensáveis lixam-se para os embates entre governo e oposição. O exagero do número de parlamentares favorece apenas o chamado ''baixo clero'' - que, com voto e disciplina, pode decidir qualquer votação complicada. Tal decisão, contudo, geralmente reafirma não posições políticas ou ideológicas, mas o apetite por verbas e emendas.

Por essas razões, é justificável o espanto com a apresentação do projeto do deputado tucano - ainda mais despropositada pelo fato de a proposta incluir-se na pauta de uma convocação extraordinária já enfaticamente rejeitada pela opinião pública. Pelo visto, não foi suficiente o desgaste a que o Congresso submeteu-se nos últimos dias, diante dos dois salários extras destinados aos parlamentares em troca de muito ócio e pouco trabalho - conforme o JB constatou ontem ao apontar os parlamentares cariocas em férias, enquanto a verba extra adorna os próprios bolsos. (Felizmente, alguns devolveram o dinheiro para os cofres públicos ou repassaram para entidades sociais.)

Tais fatos apenas distanciam o eleitor da já desgastada vida política e partidária, hoje, em grande parte, transformada numa terra arrasada - vazia, degradada, perturbadora, estéril.