Título: Mordomias comparadas
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 10/01/2006, Opinião, p. A10

A contabilização dos ganhos obtidos pelos parlamentares do Brasil, comparados aos salários dos pares americanos, oferece novos e espantosos ingredientes à crescente revolta da população contra a perversa combinação entre mordomia e ineficiência, entre requintes descartáveis e matulagem, entre sem-vergonhice e inventividade - conjugações a que o Brasil se acostumou a constatar na maior parte do Congresso brasileiro. A conta é do repórter Sérgio Duran, destacada em reportagem publicada ontem no Jornal do Brasil: consumados apenas os salários, um deputado federal brasileiro ganha US$ 26 mil (R$ 55 mil) a mais do que os colegas de Washington. Somados às verbas recebidas durante a convocação extraordinária (quando muitos cederam à tentação do ócio sem dignidade), os vencimentos anuais de um parlamentar correspondem a aproximadamente US$ 188 mil. O congressista americano recebe, no mesmo período, US$ 162 mil.

Entre os representantes de lá e os de cá, há outras notáveis diferenças. Aos americanos não são oferecidas regalias ultrajantes, como o ''auxílio-paletó'' (um salário no início da legislatura e um no fim), além de dois salários adicionais decorrentes de uma excrescência chamada ''convocação extraordinária''.

Engordam o apetite financeiro do parlamentar brasileiro cerca de R$ 15 mil mensais da chamada ''verba indenizatória do exercício parlamentar''. Embora se exijam notas fiscais para as despesas consumidas por tal verba, a Casa não fiscaliza o que os parlamentares fazem com esse dinheiro. Tampouco permite que a imprensa o faça.

Convém ainda recorrer à comparação sugerida recentemente pelo jornalista Augusto Nunes. O colunista do JB lembrou os privilégios recebidos pelos integrantes da Câmara dos Comuns, versão inglesa da nossa Câmara dos Deputados. Apesar do maior salário, os colegas de Londres não dispõem, por exemplo, de passagens para visitas às ''bases'', não se locomovem em carros oficiais, não recebem verbas para a contratação de assessores ou secretárias. Vivem em residências compradas ou alugadas por conta própria e não se abrigam sob truques como o ''salário-moradia'' instituído no Brasil.

Dos três exemplos, extraem-se lições relevantes para reafirmar o paradoxo nacional. Nosso Congresso concede a si a semana de trabalho mais curta do mundo - dois ou três dias de atividades em Brasília. Um terço dos parlamentares brasileiros, sublinhe-se, é irrelevante. Dispensável. Serve apenas para barganhar cargos, votos e verbas. No máximo, devolve as benesses com desprezo ao eleitor.