Título: Analfabetismo e emprego
Autor: Ariosto Holanda
Fonte: Jornal do Brasil, 10/01/2006, Opinião, p. A11
A qualificação profissional e a geração de trabalho são, atualmente, os grandes desafios para o resgate da cidadania dos excluídos. Infelizmente, o diagnóstico que se tem sobre essas duas ações mostra uma situação preocupante. A recente pesquisa da professora Vera Marzagão da Ação Educativa, publicada no 3º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional, revela números assustadores. Ao investigar a faixa etária da população de 15 anos (1º emprego) a 64 anos (último emprego), ela identificou que existem 114 milhões de brasileiros com os seguintes graus de instrução: 10 milhões são analfabetos, 34 milhões tem um nível de leitura e escrita muito baixo, 42 milhões estão no nível básico de alfabetização e, somente, 28 milhões estão habilitados a entrar no novo mercado de trabalho que exige conhecimento. Ou seja, do universo de 114 milhões de brasileiros que deveria formar a população economicamente ativa, 86 milhões são analfabetos funcionais, isto é, sem nenhuma qualificação profissional.
Diante desse quadro, a política de geração de emprego, decorrente do atual modelo econômico, é difícil de ser equacionada, porque temos pela frente esse elevado número de analfabetos, e um mercado de trabalho que diante do avanço tecnológico crescente está a exigir dos trabalhadores novos conhecimentos. Começamos a nos deparar com situações onde temos, de um lado, pessoas procurando emprego e na contramão trabalho procurando profissional. O que fazer então, com milhões de trabalhadores cuja força de trabalho é cada vez menos exigida ou nem mais o é? Não estariam aí, as razões maiores do desemprego, da concentração de renda, da violência, da marginalidade e da corrupção?
O discurso do crescimento econômico como fórmula de geração de trabalho, diante dessa massa de excluídos, torna-se inócuo, porque poderemos ter aumento significativo do PIB sem que isso implique em criação de um grande número de empregos e diminuição de pobreza.
Temos urgência em criar mecanismos ágeis e flexíveis de transferência de conhecimentos para a população, como verdadeiros atalhos que avancem sobre os procedimentos tradicionais da educação. É preciso também, mudar a lógica do desenvolvimento. Devemos discutir um modelo pautado na social democracia que tenha como base uma economia que leve em conta as pessoas. A lógica atual desse modelo neoliberal que tem como carro chefe o mercado, do ponto de vista social é perversa e concentradora de renda.
Como bem questionado no trabalho ''Tecnologia, Educação e Saber'', de Carlos Rodrigues Brandão e Samuel Aarão Reis, ''não podemos aceitar como indicadores de desenvolvimento apenas números ou índices que expressem aumento do PIB, volume de exportações, superávit primário, sem considerar por trás de tudo isso o HOMEM - com oportunidade para uma vida melhor, justiça social, elevação do nível e qualidade de emprego, garantia de salários dignos, ampliação dos serviços de educação e saúde, saneamento básico e alimentação''.
Na mesma linha de raciocínio escreve o filósofo Manfredo Oliveira: ''somente uma sociedade construída sobre a lógica da solidariedade e não da obsessão pelo consumo pode garantir, aos excluídos de todos os tipos, a cidadania''.
Foi com base nesse diagnóstico que o Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados, na sua missão de pensar o Brasil, decidiu aprofundar a discussão. Em novembro passado, foi realizado um seminário que tratou do tema capacitação, inclusão e renda. A conclusão dos trabalhos deve resultar num projeto de lei, que aponte para uma política de resgate da cidadania dos excluídos a partir de ações que tenham como fundamentos a educação em todos os níveis, a extensão e a informação. O Legislativo, ao se integrar com o Executivo e com a comunidade, pretende encontrar os caminhos que apontem para a educação e trabalho como obrigações de Estado e não derivadas do mercado.