Título: A economia que pode matar
Autor: Cristiane Crelier
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2006, Economia & Negócios, p. A17

Médicos denunciam que planos de saúde têm dificultado acesso a exames caros e retaliado profissionais que os recomendam

Os planos de saúde têm dificultado o acesso dos associados a exames e procedimentos cirúrgicos, na tentativa de fazê-los desistir das solicitações ou mudar de plano. Nos últimos meses, não foram poucas as denúncias ao Conselho Regional de Medicina (Cremerj) sobre a existência de uma onda de descredenciamento de profissionais que solicitam exames caros ou indicam cirurgias menos invasivas. As autorizações prévias, muito mais do que um simples filtro, também estariam sendo manipuladas em benefício das operadoras de planos de saúde, em favor do corte de custos.

- Os planos de saúde têm limitado tanto os pacientes quanto os médicos de usar suas coberturas. Já perdi quatro convênios com operadoras por ter solicitado a pacientes procedimentos que não são vantajosos às empresas. Assim, fica cada vez mais difícil exercer a profissão de médico com idoneidade - afirma o ortopedista Edson Cerqueira Freitas.

Segundo o Cremerj, outros médicos já denunciaram manobra semelhante perpetrada pelos planos.

- Algumas vezes ocorre o descredenciamento do médico quando há alguma negociação complicada para a autorização de procedimentos ao paciente. A operadora envia uma carta na qual comunica um suposto redimensionamento da rede conveniada, mas não é bem assim - afirma a coordenadora da Comissão de Saúde Suplementar do Cremerj, Márcia Rosa de Araújo.

Segundo a médica, apesar de os planos oferecerem a seus clientes uma ampla rede credenciada, muitas operadoras têm o costume de tentar empurrá-los para os locais onde conseguem preços melhores.

- Tem plano que, ao receber solicitação de cirurgias, telefona para o médico solicitando que a cirurgia seja realizada em outro hospital, por exemplo.

Edson Cerqueira Freitas acrescenta que existem casos de acordos com médicos que ganham a preferência da operadora em troca de utilização de materiais e equipamentos mais baratos. Para ele, no entanto, nenhuma dificuldade financeira, como a atravessada atualmente pelas operadoras, justifica a aceitação de tais práticas.

- É sabido que as operadoras passam por dificuldades econômicas. É compreensível que elas queiram reduzir seus gastos, mas as empresas precisam procurar um caminho direto para agir, em lugar de utilizar de manobras nada ortodoxas - acredita Freitas.

O funcionário público Bruno Saturnino Braga narra a saga de um parente para conseguir uma colonoscopia. Apesar de um histórico de câncer na família recomendar exames mais rigorosos, nada convencia o plano da necessidade de tal procedimento. O episódio causou revolta em Bruno.

- O pedido do médico era justificado por existirem casos de câncer de intestino na família, mas o plano negou o exame, por considerá-lo desnecessário. Um departamento, que nada sabe do histórico do paciente e de sua saúde, nega burocraticamente uma autorização para exames e internações, com base em argumentos que, dessa forma, só podem ser entendidos como vidência. Conclui-se que querem criar dificuldades para ver se o paciente desiste de fazer o exame.

O aposentado Luiz Carlos Guimarães enfrenta outra batalha:

- Minha mãe, de 92 anos, está com uma fratura na vértebra lombar, correndo o risco de uma cascata fraturária e necessita de uma cirurgia urgente. A operação estava marcada para 7 de dezembro, mas até hoje não conseguimos uma resposta da Golden Cross. O que mais incomoda é a dificuldade de comunicação com a empresa. É difícil conseguir falar com alguém no tele-atendimento, e quando conseguimos, nos dizem que ainda estão avaliando o caso.

A Golden Cross informou que, no caso da mãe de Luis Carlos, não negou a autorização para a cobertura da cirurgia, mas que o médico que atende a associada não é credenciado de sua rede. Sendo assim, a operadora afirma que entrou em contato com a cliente e disponibilizou dois cirurgiões referenciados para realizar a cirurgia.