Título: Uma Bolívia dividida entre a esperança e a incerteza
Autor: Baldwin Montero Plaza
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2006, Internacional, p. A8
¿Esperança¿ é a palavra que resume o sentimento de boa parte dos bolivianos diante da chegada do novo governo de Evo Morales, o cocaleiro que com 1. 544.374 votos ganhou as eleições, no dia 18 de dezembro, obtendo um respaldo histórico de 54%, que permitirá que controle mais da metade dos votos no Congresso. Apesar da garantia de governabilidade política desse resultado, a vitória de Morales está presa à seguinte responsabilidade: não desenganar o desejo por mudança que existe no país nos 23 anos de uma democracia pactuada, que beneficiou quem a criou e aumentou significativamente a corrupção, permitindo a ascensão de novos ricos enquanto os índices de pobreza continuaram com seu desenvolvimento normal.
No entanto, para outra parte dos bolivianos, o sentimento dominante é de incerteza, não só em relação aos resultados da transição para um governo de esquerda, popular e com idéias radicais, mas também pelo nível de estabilidade social que esta gestão podia garantir.
Ainda está fresca no país a memória dos últimos três anos em que um presidente (Gonzalo Sánchez de Lozada) foi expulso e outro (Carlos Mesa) foi obrigado a renunciar pela pressão social. Na quinta-feira, o comandante do Exército, Marcelo Antezana, revelou que em junho do ano passado a Bolívia se livrou de um golpe de Estado.
Com o controle de 84 dos 157 votos do Congresso Nacional, a estabilidade política não representa um problema para o governo de Morales. O problema continua sendo a estabilidade social, considerando-se que seu partido, o MAS, formou alianças com os grupos sindicalizados mais importantes, entre eles os professores, produtores de coca, aposentados e desempregados.
Com o risco de uma nova convulsão social, os dirigentes que se atribuem a representação da maioria marginalizada pelo convalescente sistema neoliberal não escondem o interesse em participar do governo, enquanto os setores beneficiados pelo sistema se envolvem na fraca oposição ou caem na frivolidade do debate sobre a roupa do futuro governante.
A oposição não corre tantos riscos quanto à grande demanda de espaços do Executivo. Camponeses, desempregados e aposentados já afirmaram quais são suas reivindicações para ingressar no gabinete e já escolheram as cadeira que gostariam de ocupar. A estrutura do poder Executivo, conta com 16 ministérios, e o MAS, através dos encarregados da transição, já anunciou mudanças.
A recente turnê que Evo Morales fez, por dez países de quatro continentes, é a mais extensa já realizada por um presidente eleito antes de assumir o cargo e deixou mais profundo, na Bolívia, os sentimentos de esperança e incerteza.
Surge a esperança quando, por exemplo, todos as nações por onde passou Morales anunciaram o interesse de apoiar seu governo. Prova disso é o anúncio da Espanha de perdoar parte da dívida de US$ 120 milhões ou a doação de US$ 30 milhões a que se comprometeu o governo venezuelano de Hugo Chávez.
A incerteza aparece quando Morales revela sua posição política na região. Fez isso, desde o princípio, quando começou o tour visitando Cuba em um avião providenciado pelo governo Fidel Castro e depois viajou à Venezuela em uma aeronave cedida pela administração de Chávez. Logo anunciou: ¿nos juntamos ao bloco antiimperialista e antineoliberal dos presidentes Fidel Castro e Hugo Chávez¿.
Contudo, ¿o antiimperialismo¿ de Morales contrasta com seu marcado interesse em manter um bom relacionamento com o governo dos Estados Unidos, a quem ofereceu, inclusive, o perdão pelas acusações que recebeu, de que era vinculado ao narcotráfico.
Morales não só representa uma esperança de mudança em seu país, como é um novo espécime que ingressa nesse laboratório social que se chama Bolívia e que foi estudado com interesse desde a revolução de 1952 e nos anos posteriores de instabilidade política, conseqüentes do surgimento de governos ditatoriais assegurados por partidos políticos.