Título: Além do Fato: Pobreza de espírito público
Autor: Mariana Santos
Fonte: Jornal do Brasil, 12/01/2006, País, p. A3

Desde o início da atual legislatura, em 2003, um pequeno grupo de parlamentares questiona tanto a rotina das convocações extraordinárias ¿ que se tornaram ordinárias há mais de uma década e sempre geram enorme polêmica ¿ quanto a absurda remuneração adicional de R$ 25 mil para deputados e senadores, o que é legal mas ilegítimo. No início, ainda no PT, vi este movimento de repúdio aos extras ficar reduzido a meia dúzia de deputados, infelizmente. Agora, com o Congresso Nacional no fundo do poço, vem esta nova convocação: abusiva nos gastos, bizarra e demagógica na fórmula (um mês de ¿faz de conta¿, um mês com plenário aberto, para se propalar que não houve um só dia de recesso) e pretensiosa na pauta (95 projetos, quando durante todo o ano que passou só votamos 75). A responsabilidade por esta convocação esdrúxula é dos presidentes do Senado, da Câmara e das Lideranças Partidárias. Que os trabalhos, nos estertores do ano legislativo mais improdutivo da história republicana, pelo menos começassem no início de janeiro, para todos, com debates e votações de matérias importantes, a começar pela Lei Orçamentária da União, que não deveria ser objeto de barganha política. Só podia mesmo dar errado este formato híbrido, esta convocação meia-sola.

Mas a pressão cidadã e a cobrança da opinião pública através da imprensa estão produzindo alguns efeitos: um número recorde, embora ainda minoritário ¿ 12% dos deputados e 5% dos senadores ¿ abriu mão do adicional indefensável. E o fim do jeton e a emenda constitucional da redução do recesso de 90 para 45 dias estão na ordem do dia, afinal. Quem sabe desse limão não sai alguma limonada?

De toda forma, estas questões da rejeição à remuneração extra ou da exigência da presença daqueles 80% de parlamentares que não compareceram até hoje, por não haver plenário funcionando, ficam secundarizadas em relação ao essencial: acabar de vez com esse ¿mensalão legal¿ e com este hoje obsoleto recesso de três meses, estabelecendo-se uma norma austera e definitiva para todos. Só assim começaremos a sair das páginas de polícia ou de politicagem para as de política, dimensão suprema do amor ao próximo, como afirmava o Papa Paulo VI.

O deputado Chico Alencar tem registrado sua presença no Congresso durante a convocação extraordinária