Título: Uma mulher no comando da nação
Autor: Solange Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2006, Internacional, p. A7

Chilenos fazem história e festa ao eleger, com 53, 51% dos votos, a socialista Michelle Bachelet presidente SANTIAGO - Os chilenos fizeram história ontem ao eleger a primeira mulher presidente da América do Sul. Resultados parciais fizeram o comando da Concertación - coalizão de centro-esquerda que governa o país desde a redemocratização (1990) - declarar a socialista Michelle Bachelet vitoriosa sobre o empresário Sebastián Piñera. Mais tarde, veio a confirmação oficial: com 97,52% das urnas apuradas, a médica torturada durante a ditadura de Augusto Pinochet venceu o bilionário com 53,51% dos votos. O representante da Alianza por Chile obteve 46,48% de sufrágios, no segundo turno da eleição presidencial, realizado ontem.

Piñera relutou por quase uma hora, mas à noite reconheceu a derrota.

- Quero congratular Michelle Bachelet por seu triunfo - disse o economista às redes de televisão.

Mais cedo, o senador Andrés Chadwick, chefe da campanha direitista, já havia admitido que a vantagem da socialista era ''muito contundente'', ao analisar a vitória do oficialismo em 12 das 13 regiões chilenas.

- A tendência realmente está contra Piñera - lamentou o secretário-geral do comando rival, Cristián Monckeber, deixando claro que não havia mais esperança entre a oposição.

Enquanto isso, a Concertación comemorava.

- Estou muito contente. Agradecemos a todos os homens e mulheres que nos apoiaram - disse a ex-chanceler Soledad Alvear, que no ano passado renunciou à aspiração presidencial em favor de Michelle.

- É um respaldo maior do que esperávamos - surpreendeu-se o representante do comando da coalizão governista, Sergio Bitar, do Partido por la Democracia.

Nas ruas, o povo também estava em festa. Caravanas com direito a buzinaço - seguiram para o hotel São Francisco, no centro de Santiago, onde Michelle comemorou o direito ao mandato de quatro anos. A posse ocorre em 11 de março, em substituição ao correligionário Ricardo Lagos.

A vitória de Michelle consolida a virada que a América Latina deu à esquerda, que governa atualmente no Brasil, Argentina, Uruguai e Venezuela. Um socialista, Evo Morales, toma posse na Bolívia no domingo e a corrida presidencial no México tem como favorito um candidato também da esquerda.

A futura presidente votou pela manhã, no colégio Verbo Divino, na comuna de Las Condes, acompanhada de sua filha Sofia, de 12 anos. No Chile, as seções são separadas de acordo com o sexo. Michelle está registrada na mesma seção que sua mãe e outras 16 mil eleitoras. Lá, era grande o movimento de mulheres de todas as idades que desejavam prestar seu apoio à candidata do Partido Socialista.

- É um momento histórico - comemorava a professora primária Jimena Yanez, 41 anos, acompanhada de sua filha, Javiera, de 12. - Ter a primeira presidenta do Chile e da América do Sul é um passo importante a favor de mais respeito uma maior inclusão das mulheres na política e no trabalho.

Segundo dados do Ministério do Interior, 97,22% dos sufrágios foram válidos - apenas 2,1% dos eleitores anularam e 0,66% votaram em branco.

A segurança e a alternância de poder, desde que com a continuidade no modelo de estabilidade econômica e responsabilidade fiscal, pareciam ser fatores menores dentro de outras demandas que se impuseram na agenda dos candidatos e para as quais muitos eleitores identificaram em Michelle Bachelet a melhor alternativa: quando o assunto é desigualdade, estabilidade laboral e aposentadoria digna, o vínculo do representante da Renovación Nacional ao mundo empresarial pesou negativamente na balança.

- Sei que com Michelle estamos mais próximos de conquistar melhores condições de trabalho - afirma o pedagogo Victor Palacios, de 34 anos.