Título: ¿Lula deveria ter sido mais vigilante¿
Autor: Daniel Pereira e Tina Vieira
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2006, País, p. A6

Fustigado pela crise política e pelo descrédito crescente diante da opinião pública, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um cabo eleitoral de peso quando o assunto é combate à corrupção. Trata-se do relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), imerso desde o ano passado na investigação de esquemas que transportaram recursos públicos para o caixa de parlamentares e partidos políticos.

¿ No limite do meu conhecimento, acho que nunca se teve abertura tamanha para investigação. Posso atestar isso porque fui parlamentar na administração anterior e apoiava o governo Fernando Henrique Cardoso ¿ afirma Serraglio, entoando uma das cantilenas prediletas de Lula.

O deputado admite a possibilidade de o presidente não saber do mensalão até a sua eclosão, pois teria delegado a administração do país ao ex-chefe da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu. Mas diz que o presidente deveria ter sido mais ¿vigilante¿ no trato da coisa pública. Em entrevista concedida ao JB na última quinta, Serraglio convoca os eleitores a melhorar a qualidade do Congresso nas urnas, denúncia mais uma vez a possibilidade de um acordão para salvar deputados ameaçados com perda de mandato e manifesta a convicção de que a impunidade está na raiz das malfeitorias realizadas na administração pública.

- O cientista político David Fleischer diz que as investigações não produzirão os resultados esperados pela sociedade porque a crise envolve toda a classe política. O senhor concorda?

- O que está acontecendo já é uma modificação na formação politico-cultural do povo. Nunca tivemos um acompanhamento direto e permanente com as coisas públicas e políticas como agora. E aquilo que não conseguirmos fazer enquanto CPI, haverá de acontecer por meio da depuração do voto. Teremos uma eleição emblemática. A população que comparecerá às urnas é outra, mais politizada, mais consciente. A depuração depende dela.

- Nos últimos anos, o país conviveu com diversas CPIs. Mesmo assim, a classe política não melhorou...

- Para que haja mudança, é preciso que se modifique a escolha. Há hoje uma prevalência das informações políticas, o que com certeza repercutirá na conduta do cidadão em relação à escolha (do candidato). O povo brasileiro hoje é mais atento em relação à política.

- A CPI também não tem que contribuir de forma direta para a depuração da classe política?

- Ela contribuirá. Apresentaremos (pedido de) indiciamento de todos que estiverem envolvidos em ilícitos e formularemos propostas para que as coisas não se repitam. O verdadeiro objetivo da CPI é impedir que se repita o fato determinado.

- Está mantida a disposição de responsabilizar os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken?

- Com certeza. Não estou afirmando que já possa carimbá-los (os atos dos ministros) como ilícitos. Mas são indícios. Como não cabe a nós arquivar indícios, encaminharemos às autoridades competentes.

- O senhor pode carimbar que houve o mensalão?

- Posso dizer que houve, sim, pagamentos periódicos a parlamentares com objetivo de cooptá-los a um sistema político.

- O que a CPI fará para que não haja risco de rejeição dos pedidos de indiciamento, o que livraria os suspeitos de eventual punição, como já ocorreu em casos anteriores?

- Não somos nós os que promovem a ação. Se for necessário, o Ministério Público que aprofunde a investigação. O que não faremos é ficar omissos. Há quanto tempo estamos discutindo a investigação da conta do Duda Mendonça no exterior? Não temos acesso aos dados. Essa é uma dificuldade noticiada, mas existem várias.

- A apuração esbarra nos partidos. Todos serão responsabilizadas?

- Todos. Inclusive o PSDB, o PMDB, que é meu partido. Conversei com os assessores e pedi um brainstorming de tudo, para não deixar pergunta sem resposta. Ela pode não ser plena, mas tem de existir.

- No caso da conta de Duda Mendonça no exterior, o Ministério da Justiça está atrapalhando as investigações?

- Não afirmo isso, mas também não infirmo. É uma dúvida que temos. Há até um relatório da Polícia Federal fazendo referência a isso.

- Por que o Ministério da Justiça não está ajudando a investigação?

- Não posso falar que eles não estão ajudando porque o instrumento de investigação do Ministério da Justiça é a Polícia Federal. E a Polícia Federal está investigando.

- Só que não compartilha os dados com a CPI dos Correios...

- Exatamente. Eles alegam que há uma proibição por parte da autoridade americana encarregada do tratado com o Brasil. A primeira pergunta que fazemos é por que não nos colocaram como possíveis beneficiários das informações. O governo americano pode restringir o compartilhamento, dizer que há confidencialidade. Mas essa confidencialidade depende da concordância brasileira. Se a CPI não está tendo acesso no Brasil, é porque alguém foi lá e assinou que não pode compartilhar comigo. Além disso, se a Constituição brasileira diz que tenho direito de acesso aos dados, o tratado não pode impedir. Faremos esse questionamento e teremos acesso às informações.

O acesso será via legal ou por um plano alternativo?

- O plano alternativo é uma coisa muito nova. Há possibilidade de a CPI trazer a representante brasileira que atua nisso (Wanine Santana Lima, coordenador-geral do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça).

- O senhor concorda com o presidente Lula quando ele diz que nunca se investigou tanto a corrupção no Brasil?

- No limite do meu conhecimento, acho que nunca se teve abertura tamanha para investigação. Houve um avanço enorme. Posso atestar isso porque fui parlamentar na administração anterior e apoiava o governo Fernando Henrique Cardoso.

- O objetivo principal da CPI é descobrir as fontes que financiaram o esquema do mensalão. Apenas uma delas foi divulgada até o momento, a operação do Banco do Brasil via Visanet. O resultado parcial é frustrante?

- O pessoal está limitando a análise. Se você olhar os contratos superfaturados, eles não são fontes?

- Mas não tem que comprovar o uso do dinheiro no mensalão?

- Mas o dinheiro passou. Existia uma empresa de transporte noturno que superfaturou contratos. Alguém se beneficiou disso.

- Mas não necessariamente alguém do governo...

- Necessariamente, sim. Alguém do governo ou do partido que o coopta.

- As perdas de R$ 700 milhões dos fundos de pensão também beneficiaram partidos políticos?

- Você está levando para uma área que eu teria que analisar. Não tenho dúvida de que parte disso beneficiou partidos. Agora qual parte não sei.

- A lógica usada no caso do José Dirceu não vale para o presidente da República?

- No caso do presidente, a responsabilidade tem de ser objetiva. Dizer que por ser o presidente é o responsável por todos os atos praticados por todos os funcionários públicos federais do Brasil? Não é.

- Que análise o senhor faz da atuação do presidente?

- Deveria ter sido mais vigilante.

- Lula sabia do mensalão?

- Admito que ele possa não saber. A minha visão do Lula é de que ele praticou o parlamentarismo, ficou como chefe de Estado. Enquanto isso tinha o primeiro-ministro operando. Todo mundo sabe que quem resolvia era o José Dirceu.

- Antes das investigações, o senhor sabia que parlamentares da base aliada recebiam dinheiro?

- A gente ouvia isso.

- E por que ninguém tomou a iniciativa de investigar?

- Você tem que ter algo um pouco mais do que só ouvir.

- O senhor está sofrendo algum tipo de pressão?

- Sofro pressão, por exemplo, quando entro nessa história do acordão para salvar deputados da cassação. Na votação do processo do Romeu Queiroz (PTB-MG), você percebia um exército trabalhando. Aí, quando você fala no acordão, vem todo mundo para cima. Teve nota do PT, nota do PL, gente querendo me processar no Conselho de Ética.

- Por que o alerta sobre o acordão tem de ser relembrado?

- É o tal do corporativismo. Faz parte da nossa fragilidade.

- Por que não se torna pública a operação-abafa?

- Às vezes, uma palavra dá a alavanca que algum desses líderes precisa para se fazer de vítima. Aquilo que você queria que fosse para um lado pode ter efeito contrário.

- A crise resultará na moralização da política brasileira?

- Não depurará totalmente, mas tenho convicção que os tempos estão mudando. Pelo que vejo nos contratos, existia uma convicção de que não haveria responsabilização por nada. Veja, agora, que o Banco do Brasil está reestruturando toda a sua forma de atuar em contas de publicidade. Já é um resultado.

- O caixa dois continuará?

- Pode até continuar, mas não com a mesma intensidade. Uma coisa é caixa dois do tipo ceder um carro, transportar alguém na campanha. Agora, milhões e milhões circulando não é caixa dois, é eleição ilegítima.