Título: Cientistas tentam gerar fauna extinta
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Fonte: Jornal do Brasil, 30/01/2006, Ciência, p. A12

Genética e geração híbrida são as armas

NOVA YORK - Nos primeiros 3,5 milhões de anos, mamutes tinham uma vida tranqüila. Medindo mais de três metros de altura e pesando sete toneladas, se alimentavam e se reproduziam sem temer predadores.

A sorte começou a mudar há 20 mil anos. Os homens surgiram na planície eurasiana e, poucos milênios depois, na América do Norte, usando armas de pedra lascada e ossos. Logo, todos os Elephantidae estavam em fuga da Sibéria para Saskatchewan. Muitos estudiosos concordam que caçadores - mais do uma epidemia misteriosa -, causaram a extinção dos mamutes. Há 11 mil anos o gigante do Pleistoceno sumiu.

Mas, se um grupo de especialistas conseguir seu intento, o mascote da era do Gelo - e outras espécies correlatas da fauna - poderá caminhar novamente. No mês passado, em um artigo à revista Science, os zoólogos Alexei Tikhonov, da Academia de Ciências da Rússia, e Ross MacPhee, do Museu Americano de História Natural anunciaram a decodificação de 13 milhões de pares de DNA extraídos da mandíbula de um mamute congelado há 28 mil anos na estepe siberiana.

Os cientistas conseguiram decifrar metade do genoma e garantem que o conhecerão por inteiro em três anos. Isso os deixaria a uma curta distância de repovoar a Terra com criaturas desaparecidas séculos atrás.

Magos da genética já clonaram ovelhas, macacos, porcos e gatos. Mas ressuscitar bestas como o mamute ou um tatu gigante é um desafio maior.

- O animal é o grande símbolo do Pleistoceno - afirma Larry Agenbroad, especialista em mamutes da Universidade do Arizona.

Por esse carisma, o mamute é parte da estratégia de restaurar a megafauna extinta. Os cientistas chamam de rewilding a reposição de elementos da fauna selvagem. Mesmo as civilizações mais antigas exerceram impactos não naturais no ambiente. Cientistas estimam que os primeiros caçadores do Pleistoceno mataram mamutes e outros grandes animais na América durante 20 gerações.

- Quando as espécies vão para o Jardim do Éden, tudo muda - afirma o paleoecologista veterano Paul S. Martin, pioneiro na tese de que o desaparecimento se deu por excesso de caça.

Repovoar a terra com espécies extintas ou ameaçadas seria a forma de reparar um ecossistema em desequilíbrio e de prevenir o desaparecimento de espécies. Engenharia genética, clonagem e geração híbrida, permitiriam a realização do sonho.

Uma das equipes de pesquisa quer trazer de volta o bucardo, espécie de carneiro da Espanha desaparecido há cinco anos. Um grupo australiano tenta o mesmo com o Tigre da Tasmânia. Na Irlanda, onde quase 9 mil espécies de aves se extinguiram, cientistas estudam a reintrodução dos pássaros flightless rails.

Na Sibéria, cientistas liderados por Serguei Zimov tentam transformar uma área de 16 mil km² de pântanos em Yukitua nas estepes e florestas secas da era glacial. O grupo quer trazer almiscareiros, alces, lobos e o mamute. Zimov o chama de Parque do Pleistoceno.

Quando o DNA entra em processo de destruição, mesmo no solo congelado russo, pesquisadores se desesperam por não encontrar células intactas para um clone. Células de esperma são ainda mais raras, e se pudessem ser retiradas da tundra, emprenhariam uma fêmea de elefante, gerando uma cria híbrida. Com o genoma do mamute, geneticistas falam num animal transgênico, trocando o núcleo de um óvulo de um elefante por um de mamute.

Experts afirmam que os animais não representariam risco e poderiam ser contidos em reservas. Mas o risco pequeno de serem o vetor de novos vírus não pode ser eliminado.

- Nenhum lugar é sagrado. No futuro, todos os ecossistemas no mundo terão sido manipulados de alguma forma, seja para redesenhá-lo, ou como mutação - afirma o ecólogo da Universidade Cornell, Joshua Donlan, um dos defensores da idéia do rewilding. Ele pode não só recriar a história de um mundo perdido, mas ajudar a reimaginar o futuro.