Título: O encontro de novos amigos
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Fonte: Jornal do Brasil, 14/01/2006, País, p. A5

O presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, prometeu estabilidade jurídica aos negócios da Petrobras no país, em conversa ontem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente da estatal brasileira de petróleo, José Sergio Gabrielli, mas anunciou que o governo boliviano vai entrar como sócio dos investimentos da Petrobrás no país, que somam US$ 1,5 bilhão. Morales é um antigo defensor do aumento de impostos sobre o gás e o petróleo. A nova legislação boliviana sobre o setor elevou a carga tributária incidente sobre as atividades da Petrobras no país de 18% para 50%, adiando as decisões de investimento da estatal brasileira.

O presidente eleito na Bolívia indicou que, pelo menos do setor energético, as empresas que quiserem ficar no país terão que aceitar a sociedade com o Estado.

- O governo vai proteger a propriedade privada porque a Bolívia necessita muito de investimentos público e privado, mas não quer patrões, quer sócios - disse.

Gabrielli, por sua vez, disse que a Petrobras prefere menos lucro a nenhum lucro. Segundo ele, ficou claro que o novo presidente boliviano não irá quebrar contratos, não irá expulsar empresas, e está disposto a negociar. Ele destacou que Morales pretende buscar nos investidores ''sócios ou parceiros, e não patrões'', para que possam contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Bolívia.

- Não acredito que nenhuma empresa petroleira vá sair da Bolívia - disse.

Mesmo deixando claro que o país irá ''exercer o direito de propriedade sobre os seus recursos naturais'', o líder cocaleiro que assumirá a presidência da Bolívia no próximo dia 22 fez questão de destacar a importância de uma parceria com a empresa de petróleo brasileira.

Depois de tratar a Petrobras como futura sócia no seu governo, Morales disse que será radical com ''empresas petroleiras contrabandistas, que não pagam impostos''.

O presidente da Petrobras, que participou também do almoço oferecido ao novo presidente da Bolívia no Palácio do Itamaraty, afirmou que atualmente há uma ''perspectiva tranqüila'' em relação aos possíveis investimentos no país , depois de um período tumultuado, e elogiou a ''estabilidade política'' no país.

Após a aprovação da nova lei do setor de petróleo e gás naquele país, a estatal brasileira, que já investiu cerca de US$ 1,5 bilhão em refinarias e na exploração de gás, chegou a congelar projetos de novos investimentos na Bolívia.

Ontem, depois de participar de reunião com o novo presidente boliviano, Gabrielli chegou a falar em ''vários espaços e possibilidades de acordos de cooperação e parceria com o governo boliviano''. Sobre uma possível sociedade com a estatal boliviana, no entanto, o presidente da Petrobras foi mais conservador do que deu a entender Morales. Segundo Gabrielli, a discussão sobre a cadeia produtiva do petróleo e do gás na Bolívia está colocada, mas a sociedade com a estatal boliviana ainda não foi discutida.

- A avaliação será feita no momento adequado - disse.

Ele evitou dizer que a estatal brasileira perderá rentabilidade mantendo suas operações na Bolívia com a nova legislação. Político, Gabrielli preferiu destacar a oportunidade estratégica de parceria com a Bolívia, que tem as maiores reservas de gás da região, e também a possibilidade de contribuir para o desenvolvimento econômico e melhoria das condições de vida no país vizinho.

O presidente da Petrobras também não deu detalhes sobre a renegociação dos contratos que a estatal tem no país. Segundo ele, essa foi apenas a primeira reunião com o novo governo boliviano, que sequer tomou posse ainda.

- Há uma simetria de interesses. Nós precisamos deles e eles precisam de nós. Eles precisam de nós porque somos o principal mercado consumidor do gás Boliviano, e não há nesse momento alternativas para a distribuição do gás. E nós precisamos deles porque precisamos de gás - resumiu.

A Petrobras é responsável por 75% das exportações de gás da Bolívia para o Brasil, opera 46% das reservas de gás daquele país, 95% da capacidade de refino e 23% da distribuição de derivados do petróleo, produzindo 100% da gasolina e 60% do diesel consumido por lá. A estatal brasileira também é responsável por 24% da arrecadação de impostos na Bolívia, 18% do Produto Interno Bruto (PIB) e 20% dos investimentos no país entre 1994 e 2004.

No encontro com Lula, o novo presidente boliviano disse ainda que vai analisar ''se vale a pena'' ingressar no Mercosul como integrante pleno.

Apesar da afinidade ideológica, a entrada da Bolívia no Mercosul, defendida pelo governo brasileiro, não é certa entre os bolivianos.

- A decisão é soberana do meu país. Queremos uma solução que beneficie os micro e pequenos produtores. Constatamos que políticas de livre comércio muitas vezes são uma solução para as minorias. Não aceitaremos produtos subsidiados que custam mais barato na Bolívia do que os produtos bolivianos.

A decisão dependerá da avaliação econômica nas áreas têxtil e moveleira, setores que a Bolívia tem preferências tarifárias nos Estados Unidos.