Título: A doutrina social da Igreja
Autor: D. Eugenio Sales
Fonte: Jornal do Brasil, 14/01/2006, Outras Opiniões, p. A11

A missão da Igreja é fundamentalmente transmitir à Humanidade a doutrina de Jesus Cristo e ensinar a vivê-la no mundo. Embora sendo de ordem espiritual, seus destinatários atuam numa sociedade terrena. Como o ser humano é constituído de alma e corpo, mas com uma destinação transcendental, a Igreja é levada a tratar também da realidade do mundo material em que vivem os cristãos. Assim, no cumprimento de sua missão, dada por Cristo, tem uma palavra de orientação sobre os assuntos mais diversos: a economia, a política, a pobreza, a injustiça social, as leis sobre o aborto, eutanásia, esterilização dos pobres que prejudicam a vida espiritual.

O conjunto desses ensinos tem o nome de Doutrina Social da Igreja. Dessa forma, a elaboração das leis é da competência do Estado que, mesmo leigo, não deve ser laicista. São bem diversas a autonomia da Igreja e do Estado. Muitas vezes é o laicismo que leva o Estado a impedir, criando obstáculos à ação da Igreja, à sua singular missão de formar a consciência do fiel segundo as normas ensinadas por Cristo. Não é lícito ao Estado abusar de seu poder, criando obstáculos à ação da Igreja.

À ela compete ensinar a doutrina social que brota do Evangelho. Recentemente foi lançado um livro sob o título Compêndio da Doutrina Social da Igreja, já traduzido para o português. Divide-se em Introdução e três partes, fazendo a aplicação dos ensinamentos da Igreja à vida. A prática da pastoral ultrapassa todo o conteúdo. A elaboração do mesmo ficou a cargo do Pontifício Conselho de Justiça e Paz. A confecção dessa obra se estendeu por cinco anos. O Cardeal Raffaele Martino, presidente do Pontifício Conselho, comentou que a maior dificuldade surgiu pelo fato de ser um documento, sem precedente na história da Igreja. Na introdução, um humanismo integral e solidário. Na primeira parte, o desígnio do amor de Deus a toda a Humanidade; na segunda, a Família, célula vital da Sociedade; na terceira, considera a ''Doutrina Social e Ação Eclesial''. O Compêndio foi elaborado para a aplicação da doutrina social na prática pastoral e na vida dos cristãos. A conclusão ''Por uma civilização do Amor'' indica, com clareza, o objetivo da obra. Tudo converge para ''a ajuda da Igreja ao homem contemporâneo; formar, a partir da fé em Cristo, uma firme esperança; construir a 'Civilização do Amor'''. Destaque-se que a preocupação pastoral está presente por todo o livro.

O Magistério da Igreja, no decorrer dos séculos, tem cumprido seu dever de aplicar à realidade dos tempos que passam o eterno ensinamento de Jesus Cristo. A questão social foi abordada em grande estilo, há pouco mais de um século, pelo Papa Leão XIII e sua célebre encíclica ''Rerum Novarum ''. Atingiu o ponto alto com as três Encíclicas de João Paulo II: ''Laborem Exercens'' (1981), ''Sollicitudo Rei Socialis'' (1987) e ''Centesimus Annus'' (1991). Bento XVI tem dado claros sinais de continuidade do extraordinário trabalho.

Na introdução do Compêndio de Doutrina Social, o Cardeal Secretário de Estado, Ângelo Sodano declara: ''No decorrer da sua história e, em particular, nos últimos cem anos a Igreja jamais renunciou, de acordo com as palavras do Papa Leão XIII, a dizer a palavra que lhe compete sobre a questão da vida social''.

Vivemos uma época na qual se faz necessária muita clareza de doutrina e, ao mesmo tempo, conservar a distinção entre o papel do clérigo e o do leigo, ao aplicarem os ensinamentos da Igreja. Não sei qual seja o erro mais nocivo à sociedade se a tentativa de isolar a Igreja na sacristia ou o extremo oposto, o sacerdote assumir encargos à margem do que prescreve a disciplina eclesiástica, o Magistério Episcopal.

A Igreja tem o direito de ensinar a posição Moral Cristã segundo as diretrizes de Cristo. Assim, ela cumpre seu dever de formar a consciência do cidadão. A vida econômica e política apresenta inúmeros problemas na sociedade contemporânea. Apontá-los aos fiéis é um dever. E responderão diante de Deus, caso se rebelem contra a legítima orientação da Igreja, de modo particular, nos assuntos que se relacionam com a justiça. Merecem eles destaque especial.

A título de exemplo, faço uma rápida síntese de um dos temas para que possam aferir a importância dessa obra para os católicos. Eis alguns tópicos sobre a Doutrina Social e Ação eclesial. O empenho político dos católicos é freqüentemente posto em relação com a ''laicidade'', ou seja, a distinção entre a esfera política e a religiosa. Tal distinção ''é um valor adquirido e reconhecido pela Igreja, e faz parte do patrimônio de civilização já conseguida'' (Exortação Apostólica ''Christifideles Laici'', nº 39). A doutrina moral católica, todavia, exclui claramente a perspectiva de uma laicidade concebida como autonomia da lei moral. A 'laicidade', de fato, significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural do homem que vive em sociedade, mesmo que elas sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só. Promover e defender, por meios lícitos, os valores concernentes à vida social - a justiça, a liberdade, o respeito à vida e aos demais direitos da pessoa - é direito e dever de todos os membros de uma comunidade social e política.

Daremos contas a Deus do nosso comportamento na vida particular e pública. Não nos falta o auxílio divino. Busquemos os caminhos certos que nos conduzem ao Senhor. O ''Compêndio da Doutrina Social da Igreja'' muito nos ajudará.