Título: A Bolívia distante do horizonte
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2006, Internacional, p. A8

Desde que perdeu a guerra do Pacífico, disputada com o Chile há 127 anos, a Bolívia briga por uma saída ao mar. A rota ao Oceano Pacífico é tratada historicamente pelos governos como uma solução simbólica para os atrasos econômicos do país e vista como uma quimera desta que é a nação mais pobre da América do Sul. Mas a tão sonhada visão do horizonte pode nunca chegar. Pelo menos de forma soberana, como quer o país andino. Prudentemente, o presidente eleito, Evo Morales, fala pouco sobre o assunto. Diferentemente dos antecessores, não faz dessa a bandeira de seu governo. Torce para que a socialista Michelle Bachelet seja eleita no Chile, já que o candidato da direita, Sebastián Piñera, já fechou a porta a qualquer negociação.

- Evo está esperando a votação chilena para se manifestar. Se Bachelet ganhar há maiores possibilidades de acordo - afirma ao JB o jornalista político Luis Gómez, correspondente do jornal La Jornada.

Para alguns analistas, a posição cautelosa de Morales é inteligente:

- Muita falação sobre o assunto pode criar mal-entendido diplomático e dificultar a conversa - diz ao JB Róger Hurtado, cientista político da Universidade Mayor de San Andrés, em La Paz.

Ainda assim, especialistas partem do princípio de que a Bolívia jamais verá o mar de terras próprias. E de que é preciso trocar o sonho por soluções alternativas. E reais.

- Os bolivianos querem fincar sua bandeira na praia. Isso nunca vai acontecer. É uma visão muito romântica - avalia Alejandro Mercado, do Instituto de Investigação Sócio-Econômica, em Cochabamba. - Se o governo for inteligente, fará um acordo de cooperação, como uma Zona Econômica Especial. Mas penso que as relações bilaterais vão continuar frias, e só quando a Bolívia tiver um governo liberal é que poderá haver uma negociação desse tipo.

Gustavo Pinto, professor de Política da Universidade Católica Boliviana, concorda:

- Evo usa de sentimentalismo ao dizer que vai recuperar todos os territórios que o país perdeu em guerras. Uma prova disso é que não diz como - observou.

O vice-presidente do governo MAS (Movimento ao Socialismo, partido do presidente eleito), Álvaro García Linera, no entanto, já afirmou, que pretende recuperar a política de ''gás por mar'', que o ex-presidente Carlos Mesa tentou emplacar, sem sucesso, por várias razões. A idéia é trocar a venda do recurso natural boliviano pelo compromisso de negociação.

- Mas o diálogo não será fácil com nenhum presidente chileno, por mais socialista ou de esquerda que seja. A elite, as classes políticas e as Forças Armadas jamais vão fazer acordo para dar um porto soberano à Bolívia - avaliou Pinto.

Já o chileno Pedro Suarce, editor de Internacional do jornal La Tercera, crê que Morales pode ser o presidente mais indicado que a Bolívia já teve para o tema:

- Os governos anteriores estimularam um discurso anti-Chile. Com a força política que Evo tem, pode criar um ambiente favorável ao diálogo - afirmou, ressaltando que é preciso negociar também com o Peru, a quem pertencia a região desejada pela Bolívia.

Mas a deputada Isabel Allende observou que o Peru não aceitou uma proposta chilena de criação de um corredor boliviano:

- O único caminho é aumentar as relações comerciais e culturais, avançando lentamente ao acordo que hoje não há.