Título: A força do perdão
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2006, Outras Opiniões, p. A11

A história de Oliver Twist, contada no filme do mesmo nome, dirigido por Roman Polanski e que está em cartaz no Brasil, nos traz como mensagem uma brilhante ação civilizatória, a importância do perdão.

Aquele menino órfão que, aos 9 anos de idade, internado nas casas de trabalho forçado infantil, com alimentação precária, dura disciplina e horário exorbitante, é obrigado a fazer trabalho pesado acima de suas forças como aprendiz de limpador de chaminés e ajudante de uma casa funerária no interior da Inglaterra no século 19. Não suportando o sofrimento imposto, o esperto e sensível garoto, cujo único pecado era ser órfão e pobre, foge seguindo a pé para Londres durante 7 dias.

Ao chegar, maltrapilho e com os pés feridos, Oliver vai morar com um grupo de meninos conduzidos por um idoso que os ensinava a roubar nas ruas da capital inglesa. Em meio a emocionantes aventuras, Oliver Twist, que não concordava com a ladroagem e os métodos seguidos pelo grupo, é seqüestrado por aquela quadrilha, que agia em conjunto com outras. Mas a polícia descobre e prende o velho malfeitor, que é condenado à forca. Oliver, enquanto isso, encontra um protetor que descobre suas qualidades e o convida para morar na sua casa. Sensível, ele insiste com o benfeitor para visitar o velho ladrão na prisão. Abraça o velho malfeitor na sua cela, pede que os dois se ajoelhem e orem; lembra que em muitas ocasiões o ladrão o tratou bem, e que ninguém é tão inteiramente mau que não possa viver, mesmo que na prisão, e o perdoa. Na volta, Oliver fica constrangido ao ver o cadafalso montado do lado externo da prisão, onde seu algoz seria enforcado diante do povo.

A cena de Oliver Twist me fez lembrar de outra notícia desta semana, a da liberdade de Ali Agca, depois de 25 anos de prisão. Autor dos disparos contra o papa, ele também é acusado de um homicídio na Turquia, seu país natal. João Paulo II fez questão de visitá-lo e também o perdoou, mostrando que o perdão é mais próprio da natureza humana do que a vontade de matar. O papa afirmou que, mesmo que Agca tenha tentado matá-lo, não gostaria que fosse condenado à morte.

Na história de Oliver Twist, de que adiantaria o velho ladrão ser enforcado? Melhoraria a condição dos meninos explorados? Serviria de exemplo? Ou seria a sociedade se vingando e aparentemente dormindo em paz depois de matar um malfeitor? E as condições que o levaram ao crime também seriam modificadas com sua morte? Mais pertinente, mais produtivo, seria o perdão, como disse o papa João Paulo II em relação a quem tentou lhe matar.

Dickens, há mais de cem anos, demonstrou que a pena de morte é irracional, cruel e inútil. A cada dia mais me convenço disso. A notícia desta semana, de que Roger Keith Coleman, executado pelo estupro e morte de sua cunhada, Wanda McCoy, em 1981, pode ser reabilitado agora, porque talvez fosse inocente, fortalece minha convicção.

Quem vai provar isso é a ciência e a tecnologia. O governador do estado da Virgínia, Mark Warner, ordenou a realização de testes de DNA no corpo de Coleman, que até o último momento de sua vida afirmou ser inocente. Se os resultados forem negativos, os Estados Unidos terão de reconhecer que executaram um homem por engano, o que desmoraliza a aplicação da pena capital.

Warner ganhou fama em novembro passado, ao conceder clemência a Robin Lovitt, um outro condenado à morte, que teve sua pena transformada em prisão perpétua por seu processo não ter provas concludentes. Essa seria a execução número mil, desde que a pena de morte foi restabelecida nos Estados Unidos em 1976. E talvez fosse um erro irreparável.

Esses fatos mostram a irracionalidade da pena de morte que, na essência, é um crime contra a justiça, exatamente por ser irreparável. Fere o princípio mais elementar da aplicação de qualquer pena, que é exatamente reparar o mal, o crime cometido por alguém. Isso transforma a pena de morte não em aplicação da justiça, mas em um ato de vingança, tão condenável quanto o próprio crime.

O uso da ciência e de novas tecnologias aplicadas às decisões judiciais proporcionou a liberdade a dois outros acusados de estupro no estado da Virgínia, pois provou-se que não eram eles os criminosos. Desde que começaram a ser feitos os testes de DNA nos Estados Unidos, 65% dos que esperavam a pena capital no corredor da morte foram inocentados. É um número muito alto. A questão da possibilidade do erro é que torna a pena de morte um instrumento inútil quando se trata de justiça.

Pesquisas mostram que, ao reintroduzir a pena de morte, os Estados Unidos tiveram um crescimento do número de homicídios. Vários autores alegam que ela não é exemplar como instrumento de medo para os criminosos, mas sim um exemplo vindo do Estado. Esse princípio é contrário à vida em sociedade.

Tivemos três exemplos esta semana. Um no cinema, um na história e o terceiro numa decisão que virou notícia. Todos civilizados e fortalecedores da força do perdão.