Título: Veneno de cobra contra o câncer
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2006, Internacional, p. A15

Veneno de cobra pode ajudar, no futuro, o combate à metástase - processo que leva o câncer a se espalhar para outras parte do corpo, o que, afirmam especialistas, torna a doença tão mortal. O estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) realizado in vitro e com camundongos demonstrou que um tipo específico de proteína, chamada desintegrina, isolada de cinco espécies de serpente, diminui as chances de o tumor alojado em determinado órgão se espalhar pelo corpo através da corrente sanguínea e se proliferar pelo organismo.

A coordenadora do trabalho, Theresa Christina Barja-Fidalgo, espera que dentro de alguns anos possa ser elaborado um tratamento que vai ajudar no combate de tumores a partir da descoberta.

- Como ainda não estamos trabalhando com nenhum laboratório, não tem como fazer uma previsão exata, além disso, ainda estamos na pesquisa básica - esclarece ao JB a professora do Departamento de Farmacologia da UERJ.

A especialista ressalta que, se ficar comprovado que a proteína é realmente eficaz contra tumores, não será utilizado o veneno da serpente. A idéia é utilizar a substância da cobra como protótipo, para ''desenhar'' uma substância sintética, similar a ela.

- A produção de veneno dos animais é em quantidade muito pequena, não seria economicamente viável, e o uso poderia causar reações adversas - detalha Theresa Christina.

Na fase do estudo realizada com animais, os pesquisadores pegaram células cancerígenas para injetar no pulmão de camundongos e acompanhar a evolução do quadro durante 21 dias. Os grupos que receberam as células tumorais combinadas com a desintegrina extraída das espécies Bothrops jararaca e também da Agkistrodon rhodostoma tiveram uma incidência de metástase 50% menor do que o grupo de controle. Na etapa in vitro, o veneno que obteve o melhor resultado foi o da Vipera lebetina, com uma taxa de 50%. A peçonha de mais uma serpente foi utilizada na experiência, a Trimeresus flavoridis.

Quando a desintegrina se liga à célula cancerígena, tem a capacidade de bloquear uma proteína, denominada integrina, presente em todas as células do nosso organismo, que facilita a ocorrência da metástase. A proteína, proveniente da cobra, vai agir atrapalhando mecanismos que possibilitam que o câncer se espalhe.

A integrina é responsável pela adesão (quando uma célula faz contato com a outra), e as células tumorais, para se proliferarem, precisam do contato com outras. Se forem isoladas, por exemplo, em um meio de cultura, não vão conseguir se replicar - afirma Thereza.

A integrina também facilita a angiogênese, ou seja, a produção de vasos sangüíneos em volta do câncer, indispensáveis a ele, porque o irrigam, ''alimentando-o''. Como esta proteína também é responsável pela migração celular (movimento dentro do organismo), ajuda a passagem de alguma célula até os vasos, contribuindo para a metástase.

- Quando a célula tumoral cai na circulação, é como se fosse uma pena dentro de um rio - compara a coordenadora da pesquisa realizada em colaboração com a Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ), o Instituto Butantã e a Universidade de São Carlos.

A pesquisadora lembra que ainda é necessário estudar os tipos de desintegrinas que melhor reagem para cada tipo de tumor.