Título: Câmara: fábrica de leis sem valor
Autor: Eruza Rodrigues
Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2006, Brasília, p. D3
Com base em interpretações equivocadas da Lei Orgânica do Distrito Federal, os deputados elaboram leis inconstitucionais, contrariando, muitas vezes, pareceres técnicos da Câmara Legislativa. Mais de 280 propostas aprovadas pelo Legislativo local, nos últimos dois anos, não saíram do papel e foram alvo de questionamentos jurídicos. O Ministério Público do Distrito Federal ajuizou nesse período 133 ações diretas de inconstitucionalidade (Adins). - Das 287 leis questionadas, 207 foram suspensas ou declaradas inconstitucionais. O número é muito alto: em média, duas leis dos distritais são suspensas por semana - informou o assessor da Procuradoria-geral de Justiça, Alexandre Resende Gomes.
De olho no trabalho do Parlamento local, a Assessoria de Constitucionalidade do Ministério Público acompanha, diariamente, o Diário da Câmara Legislativa e o Diário Oficial do DF, responsável pela publicação das propostas aprovada pelos parlamentares e que receberam a sanção do governador Joaquim Roriz. Além do MP, podem propor Adins o governador Joaquim Roriz, a Mesa Diretora da Casa, os partidos políticos e os sindicatos. Em dezembro do ano passado, o GDF entrou com 27 ações.
Vício formal - Segundo Alexandre Gomes, o erro mais comum cometido pelos deputados é o do vício de iniciativa. As leis que tratam de servidores do Distrito Federal, por exemplo, são de competência privativa do Executivo. Mesmo sabendo dessa prerrogativa, os parlamentares insistem em tentar legislar sobre o assunto. É o caso do Projeto de Lei 1.719/2005, aprovado pelo deputado Odilon Aires, que aumenta o auxílio-alimentação de R$ 99 para R$ 506 dos servidores públicos do DF.
A criação de cargos públicos, os reajustes de salários e benefícios, assim como o uso e ocupação do solo também só podem ser encaminhados com a chancela do Poder Executivo. Por isso, na última terça-feira, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF (TJDF) julgou inconstitucional a Lei Complementar 690/2003, de autoria de vários deputados, que permitia a venda direta de lotes situados em áreas públicas aos seus atuais ocupantes. A decisão poderia beneficiar os moradores de condomínios horizontais, mas esbarra na Lei 8.666, que prevê venda por licitação nesses casos.
Os magistrados consideraram, por unanimidade, que a lei distrital viola diversos dispositivos da Lei Orgânica e alegaram ainda vício de iniciativa, pois a matéria é de competência privativa do chefe do Poder Executivo. A proposição estava suspensa desde março de 2004, quando o TJDF concedeu liminar impedindo a aplicação da norma.
Decisão - O consultor legislativo da Casa, Orivaldo Simão de Melo, autor de um estudo atualizado todo mês sobre a suspensão de eficácia das leis, acredita que os parlamentares conhecem o processo legislativo, mas querem promover o debate, principalmente quando o assunto é controverso e o Judiciário não se posicionou sobre o tema.
Esta semana outras duas leis aprovadas pela Câmara Legislativa foram anuladas por vício formal: as Leis Complementares 575/2002, que previa a doação, sem licitação, de área pública a entidade particular, e a 556/2002, que permitia a desafetação de área pública sem a prévia audiência da população interessada.
- Essa situação gera insegurança jurídica e cria expectativas na sociedade - explicou o assessor da Procuradoria.