Título: Estado de emergência
Autor: Florença Mazza e Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2006, Rio, p. A13

Médicos enfrentam a revolta dos pacientes e a falta de medicamentos

Treinados para trabalhar em situações de emergência, os profissionais do Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão acostumados a uma jornada de 12 horas, nas quais atendem uma média de 100 pacientes, vítimas de guerras ou catástrofes. Longe dos conflitos terroristas ou de desastres naturais, os médicos do Rio não vivem um dia-a-dia muito diferente. Algumas unidades de saúde do estado parecem ter sido criados no improviso de uma emergência como no terremoto de Caxemira: instalações precárias, falta de insumos básicos, de medicamentos e de pessoal. Sem contar com o fato de que muitas vezes os equipamentos como tomógrafos e aparelhos de Raios X não funcionam.

- Já fico estressado na noite anterior ao plantão. Não consigo dormir direito pois sei que vou ter um dia desgastante - relata o médico H., 54 anos, que trabalha em dois hospitais, sai de casa às 6h30 e só volta às 22h.

Ter mais de um emprego e dobrar plantões é prática comum entre os médicos. Em pesquisa do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) feita com 940 profissionais nos anos de 1999 e 2000, 66,6% dos entrevistados afirmaram ter até três empregos para sobreviver. A sobrecarga de trabalho, confessam, os obriga, muitas vezes, a faltarem aos plantões.

- Um médico da rede estadual hoje ganha menos de R$ 1.400 líquidos. Sabe o que ele faz para sobreviver? Vai embora do plantão e arma um esquema de revezamento com os colegas. Num plantão fica um e no seguinte outro - conta F.

Além da violência - que, conforme noticiou o JB ontem, aflige os profissionais da rede pública -, os médicos convivem com péssimas condições de trabalho e, principalmente nas emergências, superlotação.

A falta de equipamentos e materiais também colabora para o aumento da ansiedade no trabalho. H., servidor de uma unidade estadual da Zona Oeste, conta que há um ano e meio o tomógrafo do hospital está sem revelador.

- Para não operarem apenas com a imagem que memorizaram na tela do computador, os médicos fotografam com uma câmera digital e levam a máquina para cirurgia - conta H.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), Paulo Geraldes, lembra que os médicos acabam sendo responsabilizado pelas mazelas do sistema.

- A população acusa o médico sem razão, pois não é dele a culpa - resume.

I., que trabalhou por mais dez anos numa emergência da Zona Oeste, conheceu na pele a fúria dos parentes de pacientes:

- As pessoas querem entrar de qualquer maneira. Elas não acreditam no médico, que fica entre as autoridades e o povo. Nós somos a escória do mundo, tudo estoura nas nossas mãos. Se morre uma pessoa, até eu explicar para o parente que o tomógrafo estava quebrado já fui agredido.