Título: Por um mundo sem racismo
Autor: Matilde Ribeiro
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2006, Opinião, p. A11

Os bons ventos da solidariedade e da esperança de um mundo possível tomam o planeta com a realização da sexta edição do Fórum Social Mundial. Tanto em Mali, país africano, quanto na Venezuela, América do Sul, ativistas propagam mundo afora a urgência de uma sensibilização massificada de transformação da lógica do individualismo para o desenvolvimento humano e da construção de novos paradigmas, fundamentados na diversidade e na tolerância. Nessa simbiose, revitalizamos nossos ideais de valorizar a contribuição individual para fins coletivos e atentamos para a potencialidade humana.

Aspirar a um mundo em que cada pessoa seja respeitada, para viver harmoniosamente com os recursos naturais e de forma digna, só será possível quando cada sociedade, a partir da sua realidade, enfrentar o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as intolerâncias correlatas, com isso promovendo uma verdadeira democracia.

Uma estratégia democrática de inclusão é o desenvolvimento de políticas de ações afirmativas e de promoção da igualdade racial, propiciando dispositivos e políticas públicas para uma participação em espaços historicamente negados pela condição racial, de gênero, orientação sexual e religiosa, entre outras. Essas especificidades determinam as vidas de mulheres e homens negros, indígenas, ciganos, judeus e árabes-palestinos por motivações políticas e econômicas e nos privaram da riqueza da diversidade e da liberdade de ação e de pensamento.

Quando nos envolvemos em um diálogo intercontinental, reduzindo nossas diferenças e assumindo nossas responsabilidades, avançamos em favor do respeito das diversidades humanas. Esse exercício possibilita que o ser diferente passe a ser visto como um elemento fundamental para a engrenagem humana, mesmo tendo aparências e visões de mundo diferentes da prevalente.

Ao longo da existência da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, nos deparamos com a troca de vivências e de um trabalho integrado entre negros, indígenas, ciganos, judeus e árabe-palestinos por meio do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, composto pela sociedade civil e governo federal, no qual são discutidas ações de governo para garantir a inserção desses grupos étnico-raciais na sociedade brasileira através do desenvolvimento de políticas públicas inclusivas. Nesse esforço conjunto, permeado pela explicitação de conflitos e também pela busca de superação dos mesmos, enfrentamos nossas diferenças e fortalecemos as possibilidades de respeito aos diferentes grupos étnico-raciais.

Essa prática foi consagrada durante a 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, convocada pelo governo federal, movimentando estados, municípios e sociedade civil em torno do tema ''Estado e Sociedade Promovendo a Igualdade Racial''. Com mais de 95 mil pessoas envolvidas, durante todo o processo preparatório da Conferência foi demonstrada ampla diversidade, desencadeando uma incursão pelo universo de cada grupo que está à margem em nossa sociedade e apontando políticas públicas a partir de cada realidade.

Representando o governo brasileiro na edição africana do FSM pretendemos fortalecer nosso trabalho com o continente africano ao consolidar parcerias existentes e traçar novos projetos a serem desenvolvidos na área de cooperação internacional entre a América do Sul e os países africanos.

O retorno às origens num período histórico de consolidação da importância do Estado brasileiro no cenário mundial e da reconstrução das nações africanas, exemplificam a ousadia de transformar as realidades de brasileiros e africanos, a retomada de uma identidade comum e o fomento do desenvolvimento econômico e social. Nessa atmosfera do FSM, a qual nos torna mais tolerantes e vibrantes com todas as pluralidades de manifestações e pensamentos, devemos nos permitir à imersão na essência humana e na fascinante redescoberta e interação entre mundos, que foram separados historicamente pelo ''rio chamado Atlântico''.