Título: Soldados da ONU acuados
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 17/01/2006, Internacional, p. A7

Os capacetes azuis da missão de estabilização da ONU no Haiti estão cada vez mais acuados pela população, insatisfeita com a crescente insegurança no país. Ontem, centenas foram às ruas de Porto Príncipe se manifestar contra a ''falta de ação'' da Minustah, liderados pelo candidato presidencial Charles Heri Baker e pelo industrial André Apaid, responsável por um grupo de 184 organizações civis que apóiam os protestos. Soldados filipinos tiveram que guarnecer a frente da maior base da ONU em Porto Príncipe, onde estão alojados os soldados brasileiros.

- No Haiti, chamamos os soldados de ''turistas'' - conta ao JB Jean Voltaire, líder do Grupo para a Promoção da Democracia no Haiti. - Eles não são necessários no país e devem ir embora o mais rápido possível.

Os organizadores do protesto enviaram cartas para o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil comanda o contingente militar da missão. No texto, exigiam ''maior colaboração entre os capacetes azuis e a polícia haitiana, a fim de desarmar os grupos que controlam as área sem lei e melhorar de maneira urgente a segurança do país''.

Apaid reiterou ainda as acusações de truculência por parte dos soldados jordanianos da Minustah que, segundo ele, ''se recusam a receber ordens do comando da missão''.

Desde que assumiu, em junho de 2004, a principal tarefa da força era prover melhores condições de segurança no país mais pobre das Américas. Assim, o ambiente estaria mais estável para a realização de eleições presidenciais, as primeiras que colocariam o Haiti de volta à democracia, depois da queda do presidente Jean-Bertrand Aristide, há quase dois anos. No entanto, as tropas, comandadas pelo Brasil, falharam em promover o desarmamento da população civil e das gangues. Nos últimos meses, houve aumento no número de mortes a tiro e de seqüestros. Em reação, líderes da sociedade civil já haviam convocado, com sucesso, uma greve geral, em 9 de janeiro.

- A paralisação foi observada por 99% do povo haitiano. Foi uma mensagem política enviada ao senhor Juan Gabriel Valdés (chefe civil da Minustah) - afirma Voltaire.

A insegurança é parte de outro problema: a dificuldade em organizar as eleições - trabalho em conjunto entre a ONU e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Depois de quatro adiamentos, o pleito presidencial - que originalmente ocorreria em 13 de novembro de 2005 - foi remarcado para 7 de fevereiro. O segundo turno acontece em 19 de março.

- Ganhe quem ganhe, a primeira ação do presidente será pedir que a Minustah acabe. Para restabelecer a segurança no Haiti, o governo eleito deve restaurar o Exército, dissolvido por Aristide nos anos 90. E para tanto, não precisa da ONU - sustenta o cientista político.

No entanto, os promotores da Minustah não parecem interessados em desistir. Vice-chanceleres e ministros da Defesa do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Peru, Equador e Guatemala - países latinos presentes na força - se reuniram ontem em Buenos Aires para ''assegurar que o calendário eleitoral do Haiti será cumprido''. Também estiveram na reunião Valdés e o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza.