Título: Autocrítica desejada
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Fonte: Jornal do Brasil, 17/01/2006, Opinião, p. A10

À espera da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, amanhã, diversos economistas têm imaginado o pior: o Copom optaria pelo reforço do conservadorismo monetário e prosseguiria na velocidade de queda do juro básico do último ano. Em termos efetivos, a prevalecer tal prognóstico, o BC manteria o tamanho da dose de desaperto - ritmo demasiadamente lento para as variáveis macroeconômicas disponíveis e excessivamente conservador para a necessidade de crescimento do país. Com efeito, ampliam-se perspectivas desalentadoras para 2006. Explica-se: este ano serão apenas oito as reuniões formais do Copom, contra 12 no ano passado. No primeiro semestre deste ano haverá quatro encontros (janeiro, março, abril e maio). Baixas de 0,75 ponto percentual em cada um resultarão numa modesta redução acumulada de três pontos - o mesmo tamanho se o padrão anterior (de reuniões mensais) tivesse se repetido. De um jeito ou de outro (caso, insista-se, o BC confirme as expectativas do mercado), o Brasil terminará o semestre com uma taxa de 16%.

Uma overdose de austeridade monetária. Um erro monumental. Um gesto de suposta independência do Banco Central, mas radicalmente inadequado do ponto de vista social e econômico. O BC tem enxergado riscos aparentemente inexistentes. Foi-se o tempo, afinal, em que só as cassandras habituais se espantavam com a política monetária conduzida pelo BC. As sucessivas janelas de oportunidade perdidas pelos integrantes do Copom estimularam o incômodo que, cada vez mais, se generaliza até no Ministério da Fazenda.

O próprio secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, uma das vozes mais qualificadas do governo, tem apontado para a evidente contradição entre a curva da taxa de juros de médio prazo (incluindo as expectativas para este ano) e a constelação de variáveis macroeconômicas identificadas hoje no país. Os próprios relatórios do BC confirmam os números positivos. Prevê-se inflação de 4,5%. As contas correntes permanecerão superavitárias. O superávit primário esperado é o da meta de 4,25% do PIB. O crescimento econômico deverá ser superior a 3,5%.

Em contrapartida, a expectativa da taxa Selic mantém-se em patamares colossais, ainda na casa de dois dígitos. E assim o mercado é levado a projetar uma taxa real de 10% dentro de um ano. Uma perspectiva perturbadoramente negativa, mesmo levando em conta que não há riscos iminentes na área fiscal, tampouco com o impacto do reajuste do salário mínimo de R$ 350 ou com a correção da tabela do Imposto de Renda. O Copom, conforme vem mostrando a história recente, tem agido em dissonância ímpar em relação à realidade.

Basta ver, por exemplo, que de 2003 para cá o prêmio de risco Brasil caiu de cerca de 800 para 300 pontos. Basta ver também o notável processo de recomposição da dívida pública do país, estabelecido em 2003 e levado a cabo até agora, cuja meta pressupunha, entre outras coisas, reduzir ou mesmo zerar a dívida atrelada ao câmbio, o alongamento dos prazos de vencimento dos títulos públicos e a emissão de papéis em reais. Favorecido por uma enorme liquidez externa no período, o Brasil vem conseguindo avançar neste terreno.

O resultado sugere que as eleições de 2006 ocorrerão bem distantes das traumáticas experiências cambiais durante as disputas de 1998 e 2002. A vulnerabilidade externa brasileira é hoje notavelmente inferior. Se impulsos gastadores forem também controlados, o país tem tudo para atravessar a turbulência política sem solavancos econômicos. Um feito e tanto. Há, portanto, algo de errado no ar - uma nebulosidade que, convém torcer, cabe ao Copom começar a resolver já a partir da reunião desta quarta-feira.

Não há política econômica que resista a um aperto monetário dessa natureza. Do Banco Central, é verdade, exige-se uma ação rigorosa pela estabilidade da moeda. Mas não só. Requer-se também atenção para outros esteios econômicos - do crescimento ao emprego. Resistir ao populismo monetário e fiscal não significa aderir a um conservadorismo tosco e inconseqüente, disposto tão-somente a emitir sinais de independência. Que a autocrítica ronde o ambiente da reunião de amanhã e o Copom desaponte, positivamente, as expectativas sobre ele criadas.