Título: Voto nulo é só protesto
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2006, Opinião, p. A10

São ineficazes, politicamente danosas e desprovidas de bons argumentos as campanhas que tentam conduzir o eleitor brasileiro à trilha do voto nulo. Os desmatadores desse desvio evocam, para justificá-lo, a crescente irritação com a roubalheira federal. Seria a hora de usar a cédula para protestar contra as traquinagens promovidas, em especial, pelos políticos que disputam uma cadeira no Congresso. No Rio, evidenciou-se a tendência no levantamento do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, publicado ontem no Jornal do Brasil. De boas intenções, ensinou São Bernardo, o inferno está cheio. A premissa da campanha pelo voto nulo, afinal, pode até ser correta: extirpar da vida político-partidária os bandidos vorazes que se alimentam da horta de mordomias, benesses e pilantragens garantidas pelo Estado. As conseqüências previstas, no entanto, são eloqüentemente equivocadas. O voto nulo não é eficaz como protesto. Na prática, seus efeitos são, como o próprio voto, nulos. Trata-se de um grito perdido no ar.

Protestos dessa natureza revelam-se inúteis por beneficiarem aqueles que pretendem prejudicar. O voto nulo configura o sonho eleitoral de todos os severinos, jeffersons e valdemares espalhados pelo país. Todos mantêm em currais e cabrestos um eleitorado cativo suficiente para assegurar a volta a Brasília. Políticos desse tipo pouco se importam com os votos nulos. Segundo as regras eleitorais, contabilizam-se os votos válidos. Descartam-se todos os outros. Melhores armas são a fiscalização, a pressão cerrada sobre candidatos, a denúncia e a informação.

Os brasileiros se têm mostrado cada vez mais críticos na avaliação do desempenho das figuras públicas e exibem crescente rigor na vigilância do comportamento de vereadores, deputados e senadores, sempre mais expostos aos olhos da população. É uma vitória para o país, pois contribui para aperfeiçoar a democracia. Nenhuma nação será saudável se prescindir do funcionamento do Legislativo. Mais eficaz, portanto, é reduzir a bancada de corruptos e ineficientes. Para tanto, é preciso que se escolham candidatos decentes.

Eis o modo mais sensato de o eleitor emitir um grito de protesto contra os rumos nebulosos seguidos por seus representantes. Há exemplos na história, inclusive no regime militar. Em 1974, a expressiva votação obtida pelo MDB - um ato de protesto contra a ditadura - acabou apressando a abertura. O voto válido tornou-se mais eficaz do que o nulo. Outro exemplo recente ocorreu nas eleições venezuelanas, onde o voto não é obrigatório. Disposta a barrar a legitimidade dos candidatos apoiados por Hugo Chávez, a oposição pregou a abstenção, que chegou a 70%. Resultado: os candidatos chavistas elegeram-se com folga. Um protesto vão.

Convém reiterar que o Congresso reflete a imagem do país, assim como os estados têm seu espelho nas assembléias e as prefeituras, na Câmara Municipal. Os representantes do povo são eleitos livremente nas urnas. Se não cumprirem seu papel, providencie-se a substituição no pleito seguinte. Nas pesquisas, entrevistados costumam afirmar que não se lembram em quem votaram. Ninguém é tão desmemoriado. É possível que lapsos sejam decorrentes da vergonha do próprio voto.