Título: Álvaro Linera, um branco entre os índios
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2006, Internacional, p. A8

O vice-presidente, Álvaro Garcia Linera, em nada se parece fisicamente com os aymaras e quechuas que agora chegam ao poder. Mas quem o conhece como companheiro de cela ou professor universitário garante que atrás da aparência ocidental mora um coração indígena.

- Álvaro nunca pensou em chegar ao governo. Pelo menos desta forma, por vias eleitorais. Pensava em tomar o poder com as armas - acrescenta Macário Tola, ex-combatente do Exército Guerrilheiro Tupak Katari, que, por cinco anos, de 1992 a 1997, esteve preso com Linera.

Tola conta que o vice-presidente entrou para a guerrilha aos 22 anos e era responsável pela parte intelectual:

- Ele nos trazia muitas leituras. Era o líder que organizava a parte teórica - conta, em um posto telefônico da cidade de El Alto, o único lugar aberto antes das 8h.

A socióloga Milenka Ayauiri, de 27 anos, foi aluna de Linera na Universidade de San Andres. Ao viajar com o professor, que freqüentemente era convidado a dar palestras em comunidades indígenas, soube de muitas histórias da época em que estava preso:

- Conheço policiais que diziam que a cela dele estava sempre cheia de livros. É uma pessoa impressionante que, apesar de branco, entende e fala a língua aymara - diz a indígena que não fala o dialeto.

Linera aprendeu a se comunicar com os indígenas fugindo da polícia, se escondendo em comunidades aymaras. Milenka afirma que o vice-presidente era recebido com desconfiança pelos indígenas, que o colocava para trabalhar. A crescente amizade se refletia quando tinha que se refugiar nas montanhas, ajudado pelos habitantes andinos, quando agentes de segurança faziam buscas.

Mas a história mais bonita que lembra do professor, que, por sinal, apaixona muitas alunas, é a do dia em que o ex-combatente saiu da prisão:

- Ele me contou que vendaram seus olhos no dia em que foi solto. Achava que ia morrer, porque já havia acompanhado uma morte com venda nos olhos. Mas quando lhe deram visão, ele estava na Avenida 16 de Julho, no Centro da cidade - lembra a aymara, orgulhosa de conhecer Linera.

- Ele conta que o suspiro que deu naquele momento foi o mais longo da sua vida. Toda vez que estou nessa avenida penso no suspiro de Álvaro - acrescenta, lamentando a possibilidade de perder um professor ''peso pesado'', que agora terá uma agenda cheia.