Título: A falta que a reforma política faz
Autor: Juliana Rocha
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2006, País, p. A3

Prona elegeu em 2002 seis deputados pelo coeficiente eleitoral. Quatro deles, com votação pífia, já mudaram de legenda

Encontrar em São Paulo um eleitor do deputado federal Vanderlei Assis é como achar uma agulha no palheiro. Eleito pelo Prona em 2002 com apenas 275 votos, a reboque de Enéas Carneiro e seus 1,5 milhão de votos, migrou para o PP logo no primeiro ano de mandato. Vanderlei iria penar para se eleger na pequena cidade de Macuco, no interior do estado do Rio, de 5.290 votantes. Este é exemplo da falta que a reforma política faz no Brasil. Três anos depois da posse, dos seis parlamentares eleitos pelo Prona, quatro mudaram de partido. Eles são autores de projetos de lei como a inclusão da bíblia na lista dos livros didáticos ou a instituição do 1º de outubro ''Dia Nacional da Verdade''.

O coeficiente eleitoral que levou os deputados para a Câmara não garantiu bancada a Enéas. Hoje, o ex-candidato a presidente conta apenas com o deputado Elimar Máximo, eleito com 484 eleitores. Além de Vanderlei, foram para o PP os deputados Ildeu Araújo (382 votos) e Irapuan Teixeira (673 votos). Amauri Gasques, segundo mais votado, com 18.421 votos, migrou para o PL.

Enéas é pouco atuante na Câmara. Seu principal projeto é o que substitui em todo o território nacional os combustíveis derivados de petróleo pelos produzidos a partir da biomassa. A proposta acabaria com a indústria do petróleo, que emprega diretamente 39 mil pessoas.

Procurado pelo JB, Enéas não retornou ''por falta de tempo''. Um assessor informou que o deputado estava em Brasília ''muito ocupado com outras questões'', mas admitiu que não trabalha em projetos para o legislativo. Enéas pretende se candidatar novamente a presidente este ano.

Elimar, fiel escudeiro de Enéas, também não foi encontrado. O parlamentar viajou em missão oficial para a Antártida, supostamente a convite do presidente da Câmara, Aldo Rebelo. No site da Casa, onde estão listadas todas as viagens oficiais, não há nenhum registro da visita ao continente gelado. O parlamentar é autor de projetos como o que isenta alunos da educação básica de freqüentar as aulas de Educação Sexual, ''por motivo de consciência ou crença religiosa''. A disciplina não faz parte do currículo escolar. Elimar tem verdadeira obsessão pelo livro ''Heróis da Pátria'', onde estão figuras ilustres da História brasileira. São de sua autoria três projetos para inscrever nomes na publicação, entre eles o Almirante Tamandaré, que participou da Guerra do Paraguai.

O coordenador político do Prona, deputado estadual do Rio Édino Fonseca, reclama da falta de fidelidade partidária e acusa: os deputados que migraram para o PP e para o PL receberam mensalão.

- Logo depois das eleições tem esse troca-troca. Os deputados querem se eleger pelo Prona porque o partido tem muitos votos de legenda, mas depois oferecem dinheiro a eles. É isso que estamos vendo aí - afirma ele, que deixou o Prona para filiar-se ao PSC, mas acabou retornando.

Vanderlei Assis nega a denúncia e diz deixou o partido por incompatibilidade com Enéas. Reclama que Enéas obrigava a bancada a votar sempre contra o governo, independente do projeto.

- Fui convidado a me retirar do Prona. Ingressei no PP porque o partido me deu valor. Conhecia meus predicados - explica o parlamentar, autor de projetos como o que ''sugere ao Ministro do Planejamento a cessão de um terreno para a Associação Brasileira de Imprensa em Brasília''.

Vanderlei conta que sentiu-se ''rejeitado'' também pelo estado de São Paulo, depois que respondeu a 19 processos do Ministério Público estadual pedindo a cassação de seu mandato devido ao ínfimo número de votos, 275. Por isso, ele quer candidatar-se pelo Rio, onde mora.

- Não tem nada a ver essa historia de ter sido pouco votado. Não tínhamos nem chance de ter mais votos. Só o Enéas aparecia na TV.

O deputado Ildeu Araújo carrega o mesmo discurso. Reclama que seu trabalho não tem espaço na imprensa.

- O número de votos não quer dizer nada. Tem 28 senadores, por exemplo, que não receberam um só voto. São suplentes e ilustres desconhecidos, como aquele empresário que substituiu Luiz Estêvão - alega Ildeu.