O Estado de S. Paulo, n. 47889, 28/11/2024. Metrópole, p. A16
PEC que barra aborto em caso de estupro avança na Câmara
Levy Teles
Pode ocorrer em caso de risco de morte da mãe, feto com anencefalia ou se estupro gerou gravidez
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou ontem uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pode acabar com todas as possibilidades previstas no Brasil para a interrupção da gestação de forma legal. Hoje, o aborto pode ser feito em caso de risco de morte à gestante, no caso de gravidez decorrida de estupro ou caso o feto tenha anencefalia (má-formação do cérebro). O procedimento passaria a ser vetado mesmo nestes casos.
A discussão da PEC foi tumultuada, com protestos de manifestantes do movimento feminista. “Criança não é mãe/Estuprador não é pai”, entoaram elas. Uma deputada chegou a rezar a Ave Maria no meio da confusão.
Já deputadas governistas se reuniram e chegaram a fazer um cordão em volta das manifestantes e acompanharam os gritos de “retira a PEC”. A proposição agora vai para uma comissão especial, que precisará ser criada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
A PEC aprovada ontem recebeu 35 votos “sim” e 15 votos “não”. Ela havia sido protocolada em 2012 pelo deputado federal cassado Eduardo Cunha (Republicanos-RJ). A redação proposta garante a “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”. “A vida não se inicia com o nascimento e sim com a concepção”, justificou Cunha à época.
COLATERAL.
Manifesto publicado por nove organizações sociais contra a PEC argumenta que a proposição pode ir além de vetar o aborto legal. Ela poderia inviabilizar a fertilização in vitro, já que, no momento da
implantação no útero após a fertilização, pode haver perda de embriões (no ano passado, 110 mil embriões foram descartados nesse procedimento).
Entre outros argumentos, esse manifesto diz que a PEC acaba com as possibilidades de aborto legal, viola o direito de planejamento familiar, pode proibir pesquisas em embriões não implantados, impede o acesso a diagnósticos de pré-natal e a técnicas de reprodução assistida, fortalece desigualdades raciais e viola direitos fundamentais. O texto é assinado pelas organizações Nem Presa Nem Morta, Rede de Desenvolvimento Humano (RedeH), Coletivo Feminista, Rede Nacional Feminista de Saúde, CFEmea, Comitê de América Latina e o Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem), Católicas pelo Direito de Decidir, Grupo Curumim e Criança Não é Mãe.
‘DA VIDA’ X ‘DO ESTUPRADOR’.
Oposicionistas chamam a iniciativa de “PEC da Vida”, enquanto governistas dizem que é a “PEC do Estuprador”, já que mulheres não poderiam mais interromper a gestação mesmo após terem sido estupradas. “O que se quer é obrigar crianças a serem mães e legitimar o estuprador. Contra a PEC do Estupro”, disse a deputada Erika Kokay (PT-DF).
Do lado bolsonarista, parlamentares equiparam o aborto ao assassinato e defendem que a vida começa na concepção. “A busca aqui é exatamente a palavra assassinato mesmo. Aliás, eu vou deixar muito claro que desde os primórdios da criação que sangue de inocentes é buscado”, diz Eli Borges (PL-TO), que presidiu a Frente Parlamentar Evangélica no primeiro semestre deste ano.
Na argumentação em defesa da PEC, cinco deputados – Mauricio Marcon (PodemosRS), Coronel Fernanda (PLMT), Gilson Marques (NovoSC), Chris Tonietto (PL-RJ) e Eli Borges – expuseram um pequeno boneco que, segundo eles, representaria um feto que seria abortado. A presidente da CCJ, Caroline de Toni (PLSC), defende a PEC e intensifica a agenda conservadora no colegiado faltando poucas semanas para o fim do seu mandato à frente da comissão.
O aborto já tinha entrado na pauta do Legislativo federal neste ano, com um projeto de lei que equiparava o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, estabelecendo penas de seis a 20 anos de prisão para a mulher que realizasse tal procedimento. A Câmara acelerou a tramitação desse projeto de lei no plenário em uma votação que durou cinco segundos. Após fortes críticas de movimentos populares e de organizações da sociedade civil, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu, em junho, criar uma comissão representativa para discutir o projeto e afirmou que essa proposição ficaria para o segundo semestre do ano. Até então, essa comissão não teve avanço. •